Há 40 anos, Porto Alegre me acolheu ainda menina. Recém-aprovada no vestibular da PUC, aqui cheguei sem intenção de voltar para a minha terra. Meus pais tiveram de ir ao cartório e assinar um documento de emancipação, porque "menor de idade" não conseguia nem ser aceita numa pensão para moças. Porto Alegre me viu crescer e amadurecer, quebrando barreiras, removendo montanhas, conquistando espaços que pareciam proibidos para meninas.
Porto Alegre me conquistou. Fiquei quando poderia ter ido para outra cidade. Aqui encontrei meu par. Aqui nasceram meus dois filhos, razão mais do que suficiente para que eu me outorgue o título de cidadã de Porto Alegre e inclua o aniversário da cidade no meu calendário sentimental. E é por amar esta cidade como se fosse a minha de nascimento que, volta e meia, preciso falar da tristeza que é cruzar todos os dias com o lado triste desse porto que tantas vezes é "de menos".
Dói ver a cidade suja, a grama crescida, as paredes pichadas, o lixo espalhado em volta dos contêineres, os parques tomados pelas sobras do domingo nas manhãs de segunda-feira. Dói conviver com a deterioração social e ver multiplicarem-se nas ruas os sem-teto, os zumbis consumidos pela droga, os pedintes com seus cartazes implorando por comida ou dinheiro. Dói constatar que o motorista da minha cidade está entre os mais grosseiros do mundo, porque tranca os cruzamentos, buzina por qualquer coisa, não respeita faixas de segurança. Dói ver a cidade esburacada e ouvir do prefeito que a situação vai piorar. Dói ver as ruas transformadas em rios a qualquer chuva, porque o lixo entope as bocas de lobo, porque a limpeza não é adequada ou porque as casas de bombas não funcionam. Dói não poder caminhar à noite nem andar com tranquilidade durante o dia, por falta de segurança.
Essas dores de amor à cidade não são provocadas exclusivamente pelas omissões do poder público, que há muito parece ter abdicado até da elementar obrigação de identificar as ruas com seus nomes.
São dores causadas também pelas atitudes dos moradores de Porto Alegre, que não colaboram para torná-la melhor.