O decreto em que o presidente Michel Temer abrandou as exigências para a concessão do indulto de Natal a presos era tão escandaloso que ganhou entre procuradores da República o apelido de “insulto de Natal”. Um dos primeiros a usar o termo foi Douglas Fischer, que atuou na força-tarefa da Lava-Jato. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, considerou as novas regras tão frouxas que pediu uma liminar para suspender o decreto. A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, acatou parcialmente a demanda da procuradora e podou os excessos de Temer.
Até que o Supremo julgue o mérito, os advogados dos presos não poderão pleitear o indulto nos termos do decreto presidencial.
Em mais um sinal de que está faltando zagueiro no Palácio do Planalto, Temer editou um decreto de alto impacto, sem levar em conta a repercussão negativa. Em vez de fazer ponderações, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, justificou o decreto dizendo que se trata de uma questão política e não jurídica. De acordo com Jardim, o presidente “entendeu que era o momento político adequado para uma visão mais liberal da questão do indulto”.
Por 15 anos, o indulto foi concedido a presos condenados a no máximo 12 anos de reclusão, por crimes sem violência (corrupção e a lavagem de dinheiro, por exemplo) e que tivessem cumprido no mínimo um terço da pena, desde que apresentassem bom comportamento e comprovassem condições para retornar ao convívio em sociedade. Em 2016, Temer fez o primeiro abrandamento: baixou de um terço para um quarto o tempo de cumprimento da pena. Neste ano, a régua desceu mais um pouco: o decreto exige o cumprimento de apenas um quinto da pena, independentemente do tempo de condenação.
Na ação, Raquel Dodge anotou que Temer violou a Constituição ao permitir perdão de multas e penas patrimoniais, viabilizar a paralisação de processos e recursos em andamento e afrontar o princípio da separação dos poderes. A procuradora afirma que o decreto de Temer favorece a impunidade, beneficia condenados por crimes de corrupção e é inválido sob a ótica da lei.
A decisão da ministra Cármen Lúcia equivale a um puxão de orelhas no presidente. Diz um trecho: “As regras do decreto dão concretude à situação de impunidade, em especial aos denominados ‘crimes de colarinho branco’, desguarnecendo o erário e a sociedade de providências legais voltadas a coibir a atuação deletéria de sujeitos descompromissados com valores éticos e com o interesse público garantidores pela integridade do sistema jurídico”.
Cármen Lúcia diz, lá pelas tantas, que “as circunstâncias que conduziram à edição do decreto, numa primeira análise, demonstram aparente desvio de finalidade”. Por essa interpretação, o decreto de Temer negava “a natureza humanitária do indulto, convertendo-o em benemerência sem causa e, portanto, sem fundamento jurídico válido”.
Aliás
A libertação de Henrique Pizzolato deixa no ar a sensação de que o crime compensa. Condenado a 12,7 anos de prisão, Pizzolato fugiu para a Itália usando o passaporte de um irmão falecido, foi capturado em 2014 e vai passar o Ano Novo em liberdade condicional.