Os placares do Supremo Tribunal Federal são a prova de que o Direito está longe de ser uma ciência exata e que a margem para a interpretação das leis é larga. No julgamento que garantiu a libertação do ex-ministro José Dirceu, preso desde agosto de 2015 no Paraná, o placar foi de três votos a dois.
Dos três ministros que acataram a tese da defesa de Dirceu, dois foram indicados pelo ex-presidente Lula (Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski) e um (Gilmar Mendes) por Fernando Henrique Cardoso. Na Casa Civil, no início do governo Lula, Toffoli foi subordinado a Dirceu. Os dois ministros que votaram por manter Dirceu na cadeia são o decano Celso de Mello, indicado em 1989 por José Sarney, e Edson Fachin, escolhido por Dilma Rousseff. Logo, não é indicação a chave para entender a decisão que mobilizou o país e irritou a força-tarefa da Lava-Jato.
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Não é de hoje que Gilmar Mendes expressa sua contrariedade com as alongadas prisões preventivas. Seu voto a favor de Dirceu, interpretado como uma espécie de vacina para futuras decisões envolvendo outros réus, é coerente com o discurso e com a prática. Para ficar no exemplo mais recente, foi ele quem na semana passada concedeu o habeas corpus que libertou o empresário Eike Batista.
A diferença entre os dois é que Eike ainda não enfrentou julgamento e Dirceu foi condenado à prisão pelo juiz Sergio Moro. Como recorreu, e o recurso ainda não foi julgado, Gilmar, Lewandowski e Toffoli entenderam que não cabia manter o ex-ministro preso por essa condenação, nem prolongar a prisão preventiva, que já dura quase dois anos.
A prisão preventiva se justifica quando há risco de o investigado destruir provas ou coagir testemunhas. Na Lava-Jato, há casos de pessoas que só conseguiram a liberdade depois de fazer acordo de delação premiada. Ex-guerrilheiro, fundador do PT, mentor intelectual de Lula e principal articulador do primeiro governo petista, Dirceu foi condenado no mensalão, cumpriu parte da pena na Papuda, em Brasília, progrediu para o semiaberto e já estava em prisão domiciliar quando foi preso por ordem do juiz Sergio Moro. Está em Curitiba há um ano e nove meses, mas não fez delação premiada como outros investigados, que entregaram o que sabiam e ganharam o direito a cumprir a pena em mansões e apartamentos de luxo, usando tornozeleira eletrônica.
Há indícios de que pesou na libertação de Dirceu a tentativa desastrada dos procuradores do MPF de influenciar a decisão do Supremo, apresentando às pressas uma nova denúncia contra ele.
O procurador Deltan Dallagnol admitiu que a acusação apresentada na terça-feira "já estava sendo amadurecida e, em razão da análise de um habeas corpus, teve uma precipitação no objetivo de oferecer novos fatos ao STF". Gilmar Mendes definiu a atitude dos procuradores como infantil e disse que era "o rabo abanando o cachorro":
– Se eles imaginam que vão constranger o Supremo, o Supremo deixa de ser Supremo.