O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
O Instituto Ling e a Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura do RS (AsBEA-RS) lançaram na quarta-feira (25) uma programação para discutir a arquitetura sustentável e os efeitos das mudanças climáticas.
A primeira palestrante foi a arquiteta e urbanista Érica Dall’Asta, que conversou com a coluna.
O que é arquitetura sustentável?
É uma arquitetura que está muito ligada ao lugar de inserção, à cultura, às pessoas, às técnicas, e trabalha com o planeta e não contra o planeta, então usa todos os recursos disponíveis na natureza para gerar um resultado, mas ela vai considerar como condicionantes o sol, o vento, a luz, ruídos, os materiais que estão disponíveis no local, priorizar esse tipo de solução. Essa seria a arquitetura sustentável, que trabalha a favor do planeta, usando os recursos que temos disponíveis.
Que exemplos de condicionantes podem elencar?
Na verdade, vamos trabalhar com diferentes escalas de abordagem. A primeira seria essa adequação ao clima, então primeiro compreender profundamente o clima do local, e realmente dispor os ambientes a favor da melhor orientação solar, você mesmo deve não sei como vai a sua casa, mas se não bate sol em algum cômodo, a gente sente muito falta do sol, principalmente no nosso clima aqui em Porto Alegre. Então, ter uma brisa fresca no verão, entrando pela janela, para não precisar ligar o ar condicionado essa seria a escala do conforto térmico, principalmente, e a disposição da edificação em relação a esses recursos, a melhor fachada para receber luz. Por exemplo, a fachada sua não tem insolação no inverno, mas ela tem uma luz excelente, então vamos dispor os ambientes conforme a necessidade deles. Depois, podemos ir para a escala dos materiais de construção, já que, infelizmente, as edificações consomem muito dos recursos naturais, na extração de matéria-prima para se ter o alumínio, aço, concreto, então extraímos muitos materiais e gera muitos resíduos no processo de construção, mas também tem a questão da distância que esses materiais percorrem para chegar até o nosso canteiro de obras, para que isso realmente se transforme em uma edificação construída. Então, nessa escala dos materiais, vamos considerar a origem, a composição, a quantidade de energia que está incorporada para que esse material exista, tenha sido produzido e também, se possível, utilizar materiais locais, então as técnicas mais usuais da região geralmente têm uma relação maior com a cultura do local e não vão percorrer grandes distâncias até chegar no nosso local de construção. Depois, vamos para a escala realmente da obra em si, então adotar estratégias mais sustentáveis, desde a escala social, do tipo de mão de obra, da maneira como a mão de obra acontece, os períodos, duração da obra, segurança, quantidade de energia nessa fase, mas também depois durante o uso, porque quando eu penso lá no início do projeto em ter uma boa orientação solar para aquecer um dormitório, lá no uso eu vou diminuir o uso do ar-condicionado, por exemplo, de alguma estufa que vai consumir energia. Então as decisões lá no início do projeto têm um impacto durante todo o ciclo de vida da edificação, desde os materiais que eu escolhi até o meu dia a dia usando a edificação. Hoje temos a certificação de eficiência energética dos eletrodomésticos que compramos, mas também já temos certificação para as edificações com relação a quanta energia elas consomem para funcionarem, para simplesmente habitar elas.
Como conciliar a arquitetura sustentável e as mudanças climáticas?
É complexo porque falamos em primeiro uma compreensão profunda do clima, para a termos uma melhor abordagem de projeto em cada lugar do mundo, então eu nunca vou poder projetar uma arquitetura sustentável replicável, eu não vou poder copiar uma solução de uma cidade para outra em função do clima. Infelizmente, estamos passando por uma mudança nos dados, que temos principalmente de precipitação aqui no Sul, e vamos tentar fazer uma adaptação a essas novas realidades climáticas. Então o que precisamos agora é buscar maneiras de melhor projetar tanto as edificações, mas principalmente as cidades, para se adequar a essa nova realidade, por exemplo, o regime de chuvas, a intensidade, como é que a gente retém essa água quando chove muito, como é que atrasamos essas cheias. Temos em outros locais do mundo vários exemplos, especialmente na China, do uso da adoção de um conceito chamado cidades-esponja, então é todo um trabalho feito de compreensão da bacia hidrográfica e como podemos desacelerar esse fluxo da água, fazendo isso através da regeneração da topografia natural, da inserção de mais vegetação, criando um fluxo de movimento da água mais lento para retardar essas cheias, ao mesmo tempo criando bacias de retenção, valas de retenção, áreas que vão ser alagáveis, parques que vão funcionar para serem alagados mesmo durante esses eventos mais extremos.
Nenhuma arquitetura sustentável é replicável?
Quando eu compreendo o clima do local e a cultura de materiais, de técnicas construtivas, de uso do espaço público, quando eu vou projetar em climas diferentes, a minha resposta arquitetônica vai ter que ser diferente porque eu vou ter uma outra realidade, outra temperatura média, outra condição de estação. Existem locais que não temos estações do ano e outros que temos condições de projetar respondendo em quatro situações diferentes. Por exemplo, Porto Alegre eu vou querer sol na minha casa no inverno, mas eu não vou querer no verão, então como que eu vou projetar um sistema ou a minha própria edificação vai gerar sombra no verão, não vai gerar no inverno, se eu tiver uma compreensão profunda do movimento aparente do sol lá no horizonte. Então se eu pegar uma solução que eu fiz aqui para Porto Alegre e levar lá para Natal, ela não vai ter o mesmo desempenho. Então o meu desenho arquitetônico vai responder à questão do sol, do vento, da luz, ruídos também, que é outra variável ambiental importante para quem mora em cidade. Então projetar em Porto Alegre e Buenos Aires sempre vai ter uma resposta diferente, mas especialmente quando tiver variações muito grandes no padrão climático do local, nessas zonas bioclimáticas.
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