A invasão da embaixada do México por forças de segurança do Equador, em Quito, na sexta-feira (5), para prender o ex-vice-presidente Jorge Glas, é um escândalo e põe em risco a estabilidade das relações internacionais. O princípio da inviolabilidade dos prédios diplomáticos é garantido pelo artigo 22 da Convenção de Viena, de 1961.
Basilar das relações diplomáticas, é cláusula pétrea de uma ordem mínima capaz de colocar governos divergentes para conversar. É uma questão de confiança. Garante que todos os países possam interagir e resolver diferenças em ambiente neutro e seguro. Sem essa garantia, a diplomacia estaria sob risco constante.
O caso diferencia-se de outros episódios. Em abril de 2019, Julian Assange, fundador do WikiLeaks, foi preso pela Polícia Metropolitana de Londres na embaixada do Equador no Reino Unido, após sete meses de asilo. As portas do prédio diplomático foram abertas pelo chefe da missão, único caso em que é permitido que forças de segurança adentrem em um prédio diplomático. O asilo a Assange havia sido retirado pelo presidente equatoriano Lenín Moreno um pouco antes.
Acompanhei de perto outro episódio: a crise na embaixada brasileira em Honduras, em 2009, quando o ex-presidente Manuel Zelaya ingressou com seus apoiadores em busca de refúgio em Tegucigalpa, capital do país centro-americano. O governo Lula à época considerou Zelaya "hóspede".
A situação dragou o Brasil para o centro de um impasse continental. Como enviado da RBS a Honduras, fui um dos poucos jornalistas a ingressar na embaixada e lá permaneci por alguns dias acompanhando a situação. Apesar de todas as ameaças do governo de Roberto Micheletti, que havia assumido, em nenhum momento, durante os quatro meses em que Zelaya ficou na embaixada, o prédio foi violado. O Direito Internacional foi preservado.
Não é o caso agora. Grosso modo, o que ocorreu na embaixada do México em Quito é como se o ex-presidente Jair Bolsonaro pedisse asilo e se refugiasse na embaixada da Hungria, em Brasília - onde dormiu duas noites, após ter seu passaporte apreendido pela Polícia Federal, em março, - e as forças brasileiras ingressassem no prédio. Seria um ato grave, que isolaria o Brasil no cenário internacional.
É o que deve ocorrer agora com o Equador: o país precisa ser considerado pária global e tornar-se alvo de sanções. As condenações ao governo equatoriano se avolumam, tanto de países governados por esquerda quanto direita.
Mesmo ditaduras truculentas, como a brasileira, entre 1964 e 1985, preservaram embaixadas estrangeiras quando fugitivos, perseguidos pelo regime, buscavam nesses prédios asilo. O princípio da inviolabilidade vale para, além dos prédios, veículos do corpo diplomático, correspondências e documentos.
Estados são signatários da Convenção de Viena, não pessoas. Por isso, casos de invasão de embaixadas são bem menos comuns do que ataques cometidos por grupos armados irregulares. Organizações paramilitares ou terroristas não obedecem a qualquer tratado: lembro aqui dos atentados à embaixada de Israel, em 1994, na Argentina (Hezbollah), e dos Estados Unidos, no Quênia e na Tanzânia, em 1998 (Al-Qaeda). Ainda, em 2012, a invasão do consulado americano em Benghazi, na Líbia (Al-Qaeda no Magreb). Tão grave quanto é o ataque atribuído a Israel das instalações diplomáticas iranianas em Damasco, na Síria, na semana passada.
Ações desse tipo abrem precedente perigoso. Sem confiança de que prédios diplomáticos são invioláveis, não há lugar seguro no mundo. Haverá aumento de tensões e conflitos. Trata-se das relações entre os países jogadas nos braços do estado de natureza hobbesiano, onde o homem é o lobo do próprio homem.