Dias atrás, um colega jornalista, acostumado a cobrir o crime organizado no Rio de Janeiro, me disse que, para entender a criminalidade carioca, é necessário colocar, camada sobre camada, as realidades exibidas nos filmes "Tropa de Elite 1", "Tropa de Elite 2" e no documentário "Vale o Escrito". Em outras palavras, significa unir o narcotráfico com a atuação de milícias e com o jogo do bicho. Acrescente a todos eles a política.
O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), cujos suspeitos de serem os mandantes e as motivações são conhecidos só agora, depois de seis anos, é o retrato da falência do Estado.
No Rio de Janeiro, todo mundo sabe que muitos políticos estão envolvidos com o tráfico de drogas, com milicianos ou com bicheiros. Mas uns fingem que desconhecem, outros são pagos para não ver, e, assim, os brasileiros em geral e os cariocas em particular vão vivendo em meio a essa realidade hipócrita.
Vejamos o caso de Domingos Brazão, um dos presos neste domingo (24), apontado pela Polícia Federal como um dos mandantes do assassinato de Marielle. Havia anos, era conhecida sua relação com milicianos, tanto que seu nome fora mencionado na CPI de 2008 que investigou esses grupos. Mesmo assim, ele chegou à cúpula do PMDB no Estado, era poderoso na Assembleia Legislativa do Rio, foi eleito cinco vezes deputado e costumava travestir compra de votos com benesses sociais, tendo como instrumento centros de assistência e ONGs. Sem muito esforço, ele chegou a conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), cargo de alta remuneração, que exige notório saber jurídico e contábeis e reputação ilibada. O então deputado não tinha Ensino Superior e sua ficha já exibia várias suspeitas.
A história de Rivaldo Barbosa, outro dos presos neste domingo (24), também ilustra com perfeição como as fronteiras de dois mundos que deveriam ser opostos, polícia e crime, foram apagadas no Rio.
Delegado desde 2012, ele foi alçado à Chefia de Polícia um dia antes do assassinato de Marielle por indicação do general Richard Nunes, que assumira a Secretaria de Segurança Pública, durante a administração do interventor federal, o general Walter Braga Netto. Rivaldo chegou a prometer à família da vereadora, no funeral, que faria o que fosse possível para elucidar o motivo do crime. Dias depois, afirmou à imprensa que estaria "no caminho certo".
A delação do assassino confesso, Ronnie Lessa, revela o submundo da Polícia Civil do Rio, algo que, também, todos conheciam. Tanto que muitos apostavam na impunidade. Mas hoje ela perdeu.
A fala do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, na coletiva da tarde deste domingo (24), deixa claro que é conhecido, a partir da delação, o modus operandi das milícias no Rio: "Algo bastante sofisticado, complexo que se espraia por todo o Estado e por várias atividades". O que o Estado brasileiro pretende fazer com isso a partir de agora?
Pouco importa se os irmãos Brazão (Domingos e o deputado federal Chiquinho, do União Brasil, outro apontado como mandante) são de direita - algo que muitos dirão neste país polarizado no qual tudo é instrumentalizado para virar arma política. Fisiológicos, ambos são o tipo de político que se aproveita das negociatas, independentemente da ideologia, para estabelecer relações promíscuas, que atendam apenas a seu objetivo: o poder. Algo para o qual o Rio, por trás das belíssimas praias, do chope gelado e da caipirinha, é um cenário perfeito. Um Estado corrompido.