Houve vários momentos em que o Brasil esteve muito próximo da ruptura institucional em 8 de janeiro de 2023, a hora mais escura daquele domingo, na minha avaliação, foi quando dois blindados do Exército foram posicionados na via que liga o Eixo Monumental ao Quartel General, em Brasília.
Era altas horas, e eu acompanhara, como correspondente da RBS na capital federal, a varredura da Polícia Militar que arrastara a turba golpista da Praça dos Três Poderes, onde haviam cometido os atentados contra os prédios da República, de volta a seu ninho, o acampamento em frente ao Forte Apache, como é chamado o QG.
Caía uma garoa final, e o ar de Brasília ainda estava impregnado pelo cheiro do gás lacrimogêneo. Enquanto caminhava em direção ao acampamento, entre um e outro boletim para a Rádio Gaúcha, eu tentava articular, em minha mente, a sucessão de fatos traumáticos que testemunhara desde a tarde: a marcha da insensatez em direção aos maiores símbolos da República, a inação inicial da polícia do Distrito Federal, os gritos histéricos de alguns, que, "por Deus e pela pátria", ordenavam a invasão, os vidros do Congresso estourados, a ocupação do prédio do Supremo e a violação do Planalto.
Como repórter, lembro que precisava, por vezes, baixar o tom de voz ou mesmo interromper o relato que fazia ao vivo, diante de ameaças por parte de extremistas, que, obviamente, não desejavam a presença de jornalistas a documentar o assalto à democracia.
Quando a situação foi controlada na praça e os manifestantes foram levados de volta ao acampamento, um grande número de policiais se concentrou em frente ao acesso ao setor militar. Tudo indicava que os policiais entrariam no setor militar para prender os responsáveis pelos atos extremistas.
Foi quando os dois blindados se posicionaram para barrar o ingresso. Policiais e militares do Exército ficaram frente a frente. Um gesto mal calculado teria levado ao confronto. Foi, para mim, o mais próximo que chegamos da consolidação do golpe, duas forças institucionais da República fraturadas e em polos opostos.
Passados dois anos, o Comando do Exército mantém em segredo a identidade de quem deu a ordem para que os blindados se deslocassem até ali naquela noite que, sob vários aspectos, ainda não terminou.