Jair Bolsonaro nem precisaria ter falado no ato deste domingo (25) em São Paulo. Coube a seus aliados, a começar pelo mais fervoroso deles, o pastor Silas Malafaia, emular as crenças do ex-presidente. O religioso disse tudo o que Bolsonaro não podia dizer sob pena de se complicar com a Justiça: fez críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF), ao ministro Alexandre de Moraes, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), insinuou suposto papel do presidente Lula nos ataques de 8 de janeiro e, objetivo dos objetivos, deu o recado mais esperado da tarde de domingo: que uma eventual prisão do ex-presidente não será aceita sem convulsão social.
- Se eles te prenderem, você vai sair de lá exaltado. Se te prenderem, não vai ser para a tua destruição, mas para a destruição deles - disse Malafaia, classificando as investigações da Polícia Federal (PF) da qual que Bolsonaro é alvo como "a maior perseguição política da História".
Sob o volume do som do trio elétrico elevando-se a cada declaração mais entusiástica, acrescentando tom teatral ao evento, Bolsonaro assumiu o microfone às 16h19min. Embora menos estridente do que em sua versão sob o mandato das urnas, o ex-presidente voltou a falsear a verdade quando disse que fez o possível, no governo, para "atender a todos" em meio à pandemia. Omitiu, por exemplo, que fizera de tudo para evitar que a vacina contra a covid-19 chegasse mais cedo aos brasileiros. Disse que baixou o ICMS sobre combustíveis, mas subtraiu o fato de que essa era uma medida eleitoreira, cuja conta chegaria logo em seguida. E, como de hábito, não reconheceu que perdeu nas urnas, ao se referir ao pleito presidencial de 2022 como "aquela coisa que aconteceu em outubro de 2022". Ora, "aquela coisa" tem nome, chama-se eleição, o direito de os brasileiros de escolherem quem desejarem por meio do sistema transparente que o manteve deputado por 27 anos e presidente por quatro.
Bolsonaro falou por cerca de 20 minutos sob a régua da contenção. Mediu cada palavra, bem diferente do parlamentar e chefe de Estado que, gozando da imunidade quase total, proclamava o que lhe vinha à cabeça. Evitou provocações. Desviando do que desejava realmente dizer, encerrou repetindo asserções conhecidas:
- Não queremos o socialismo para nosso país;
- Não podemos admitir ideologia de gênero;
- Respeito à propriedade privada;
- Direito à defesa da própria vida;
- Respeito à vida desde a sua concepção;
- Não queremos a liberação das drogas em nosso país.
O controle rígido do microfone a fim de evitar falas mais radicais, que pudessem gerar transtornos jurídicos, funcionou. Chamou a atenção a ausência de cartazes e faixas, um habeas corpus preventivo da organização (e do próprio ex-presidente) para evitar reivindicar provas contra si - ou contra o líder. Sobrou para Israel - na impossibilidade de cartazes contra o STF, Lula, o PT, o "comunismo", a bandeira israelense foi erguida como o segundo maior símbolo da Paulista (depois da verde-amarela) associado a Bolsonaro, para constrangimento dos judeus em geral e dos israelenses em particular. O fato de Israel ter no governo um primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, cuja falhas de segurança e inteligência facilitaram a ação terrorista do 7 de outubro e um líder que leva suas forças armadas a cometerem um morticínio em Gaza, não permite confundir Estado e governo. Israel não é Netanyahu. Nem Brasil foi Bolsonaro - ou é Lula.
Com o "retrato da Paulista", que desejava, garantido nas redes sociais, Bolsonaro atingiu dois objetivos: (1) a curto prazo, reage ao avanço das investigações sobre ele, pressiona a Justiça e avisa que, se houver eventual prisão, seus apoiadores irão se mobilizar para resistir; (2) Embora não encontre eco fora dos fiéis seguidores, ao menos, mostra como o bolsonarismo é dominante na direita - mantém apoio e reduz a porta para alternativas no campo da direita como Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado e Romeu Zema -, como Donald Trump, nos EUA. A diferença é que lá, mesmo condenado, Trump pode assumir, se ganhar em novembro. Aqui, Bolsonaro está inelegível até 2030.