A avaliação entre diplomatas brasileiros, da ativa e aposentados, é de que o pior da crise entre Israel e Brasil já passou. O mal-estar começou com a declaração do presidente Lula em Adis Abeba, na Etiópia, quando comparou os ataques israelenses à Faixa de Gaza ao Holocausto judeu. Ato contínuo, houve uma sequência de gestos (de Israel, mostrando indignação, e do Brasil devido ao tratamento dado pelo governo de Benjamin Netanyahu ao embaixador em Tel-Aviv, Frederico Meyer).
A tensão foi escalando, mas, na leitura dos diplomatas consultados pela coluna, entre eles ex-embaixadores que ocuparam importantes postos no Exterior durante a carreira, não evoluirá para o fechamento da embaixada brasileira em Israel ou a expulsão do embaixador de Israel em Brasília, Daniel Zonshine. Ou seja, não deve haver o rompimento das relações diplomáticas entre os dois países.
Claro que qualquer movimento mais drástico ainda pode ocorrer, mas vai depender de alguma eventual nova declaração de um lado ou outro.
Os diplomatas entendem que Lula errou ao citar o Holocausto, mas ponderam que a convocação do embaixador brasileiro pelo Ministério das Relações Exteriores de Israel se deu de forma pouco habitual. Pela tradição diplomática, a conversa em que um país demonstra descontentamento com a atitude de outro - caso de Israel em relação ao Brasil - se dá a portas fechadas. O conteúdo do diálogo também deve ser sigiloso. Uma experiente ex-embaixadora, que inclusive já foi chamada para consulta enquanto representava o Brasil no Exterior, lembrou uma ocasião do tipo em que o diálogo foi "cordial".
Não foi o caso da iniciativa israelense, em que o chanceler Israel Katrz marcou como local da reunião o Memorial do Holocausto, o Yad Vashem, em Jerusalém, e não a sede da chancelaria, para uma conversa reservada. O ministro também convocou a imprensa nacional e fez uma declaração em hebraico - o embaixador brasileiro não fala o idioma e ficou visivelmente constrangido. Nessas conversas, normalmente, as manifestações são em inglês.
O chanceler israelense ainda declarou Lula "persona non grata". À coluna, uma experiente diplomata classificou a ação como "um show". Ela também questiona o termo "persona non grata", que significa que alguém não é bem-vindo. Normalmente, esse termo é utilizado em relação ao embaixador de um país - não ao presidente. Mesmo assim, a expressão sequer existe oficialmente na cartilha da diplomacia.
A declaração do chanceler Mauro Vieira, na terça-feira (20) à noite, também foi alguns tons acima do padrão diplomático.
- Uma chancelaria recorrer sistematicamente à distorção de declarações e a mentiras é ofensivo e grave. É uma vergonhosa página da História da diplomacia de Israel, com recurso a linguagem chula e irresponsável - disse.
Os diplomatas também destacam que, em nível internacional, não houve grande repercussão sobre as declarações de Lula. O caso, dizem, ficou restrito aos dois países, alimentado pela disputa ideológica doméstica entre direita e esquerda (e a polarização) pelas redes sociais.
Nos bastidores, inclusive, o governo brasileiro já informou Israel de que não pretende escalar a crise. Pelo lado de Brasília, o entendimento é de que a contrariedade foi demonstrada, mas que, por ora, não serão dados novos passos.