A hora é agora.
As boas novas que sopram desde Paris, segundo as quais Estados Unidos, Egito, Israel e Catar discutem, durante encontro na capital francesa, uma trégua de dois meses para o conflito Israel-Hamas, chegam em um momento fundamental para o contexto do Oriente Médio.
As peças no tabuleiro fazem pensar que é agora ou nunca por vários motivos: o primeiro deles é que em nenhum momento, desde 7 de outubro, tantos atores envolvidos nos confrontos estiveram dialogando com o mesmo interesse: a libertação dos reféns e um cessar-fogo na Faixa de Gaza.
Os quatro à mesa têm legitimidade para encontrar uma saída para a crise: Israel está interessado em libertar os cerca de 130 reféns que ainda estão em poder do Hamas; Estados Unidos, que por anos ficou alijado como mediador natural, vê a campanha eleitoral para a sucessão presidencial decolando; Egito é histórico representante dos interesses árabes em geral e palestinos em particular; e Catar foi, neste conflito, alçado a principal negociador do Oriente Médio, mantendo relações sólidas com o Ocidente e com o grupo terrorista Hamas, além de ligações com o Talibã e o Irã.
A se confirmarem as melhores expectativas, também nunca, desde o início da crise, tantos reféns seriam soltos (cerca de cem) nem uma trégua duraria tanto tempo (60 dias).
A sensação de "ou vai ou racha" advém de uma percepção pessimista dos próximos meses. Precisa ser agora.
Benjamin Netanyahu, ao mesmo tempo em que deseja salvar o pouco que lhe resta de reputação, também dá mostras de que pretende, daqui para frente, adotar medidas cada vez mais unilaterais, mesmo que, para isso, precise se afastar das recomendações do governo americano. A única coisa que alimenta Netanyahu, como se sabe, é o poder. E, nesse sentido, ele começa a se apresentar como "o único líder forte" capaz de garantir a segurança de Israel, sem um caminho para a existência de um Estado palestino com fronteiras claras e soberania. Por mais que se saiba que isso não passa de discurso - afinal, o apagão de inteligência que permitiu o 7 de outubro é, em grande parte sua culpa, essa é uma narrativa que cola em sua base de apoio.
Netanyahu estaria disposto, inclusive, a se afastar do governo democrata nos Estados Unidos, defensor dos Acordos de Oslo, que prevê a solução de dois Estados. Há riscos, é claro: quem garantiu a dissuasão do Irã, quando a existência de Israel esteve em xeque, no pós-7 de outubro, foram os EUA e os porta-aviões por Biden despachados para a região.
O quanto Netanyahu estaria disposto a bancar não se sabe. O que se sabe é que, se Donald Trump voltar ao poder, a partir das eleições de novembro, o premier israelense estaria vitaminado para retomar suas políticas agressivas contra os palestinos - um sinal verde, eu diria, caso consiga se manter no poder até lá, a despeito dos processos em que réu na Justiça de Israel.
Ainda assim, se sair o acordo agora, acredita-se que Israel não teria fôlego para retomar, nos mesmos níveis, a guerra em Gaza daqui dois meses. Para Biden, também não é negócio o prolongamento do conflito. O apoio a Netanuahu está lhe custando caro em sua própria base - e, como se observa nas prévias de Iowa e new Hampshire, Trump está se tornando um adversário imbatível.
As negociações em Paris são uma janela de oportunidade até para o Hamas, que, com seu massacre de 7 de outubro impôs uma derrota militar a Israel. Mesmo com os bombardeios diários como resposta israelense, o grupo não foi destruído, como prometido por Netanyahu, em parte porque usa a população civil palestina como escudo, em parte porque seus líderes vivem bem longe de Gaza.
Mais: uma trégua ajudaria ainda a travar uma guerra que já transbordou da região do Levante para outras áreas do Oriente Médio (Síria, Irã, Iraque, Iêmen e Mar Vermelho), chegando à Ásia Central, com o Paquistão envolvido.
Há várias dúvidas sobre o que viria depois dos dois meses de cessar-fogo que estão sendo acertados:
- Quem governaria Gaza?
- Que papel teria a Autoridade Nacional Palestina (ANP) no pós-guerra?
- Que poder ainda teria o Hamas?
- Quem trabalharia e injetaria dinheiro na reconstrução do território palestino devastado?
- Quem seria responsabilizado pelas mortes de ambos os lados?
Se pensarmos no futuro, talvez não avancemos no diálogo do presente. Por isso, espera-se que os negociadores de Paris se preocupem apenas com o aqui e agora: salvar os reféns israelenses que ainda estão em poder do Hamas e interromper novas mortes em Gaza.