Uma das vozes mais críticas da forma como as conferência climáticas das Nações Unidas conduzem a urgência dessas discussões, o Greenpeace se manifestou duramente contrário ao texto do rascunho de declaração final da COP28, de Dubai. No esboço divulgado na segunda-feira (11) e que é alvo de debate acalorado nesta terça (12), aparece a sugestão aos países de eliminação do uso de combustíveis fósseis - e não redução gradual, como a ONG ambientalista defende.
Camila Jardim, porta-voz do Greenpeace Brasil, conversou com a coluna sobre o atual estágio das negociações, que enfrentam um impasse entre as nações. A seguir, os principais trechos.
Os primeiros rascunhos mostravam uma aparente intenção dos países de eliminarem de forma gradual o uso dos combustíveis fósseis. O esboço atual foi um balde de água fria?
A gente está em um momento muito crítico, porque agora é o que de fato fica, o que de fato está sendo aceito e o que está sendo colocado nos bastidores das negociações. O texto é bastante fraco, apesar de ter a menção a combustíveis fósseis. A priori, pode parecer que é um ganho porque essa menção não aconteceu antes. Há menção de que essa seria uma medida necessária para o combate à crise climática. Porém, ele aparece como uma coisa acessória. Sabe o recheio que você escolhe quando vai comprar o iogurte? Como se fosse algo opcional.
E fala em uma redução e não eliminação dos combustíveis fósseis, como o Greenpeace defende...
Exato, primeiro ele não coloca tudo como um pacote. Não coloca que triplicar energias renováveis ou aumentar a eficiência energética não adianta muita coisa, se a gente não fizer um plano global, um pacto bem organizado, de eliminação dos combustíveis fósseis. Coloca várias opções, como captura e armazenamento de carbono, no mesmo nível de importância da eliminação dos combustíveis fósseis. Isso é totalmente inaceitável. Deu uma super esvaziada no texto, e, ao mesmo tempo, deixou para cada país escolher o que quiser. É uma linguagem fraca e que não entrega a possibilidade de manter a meta de 1,5ºC possível (como limite de elevação da temperatura do planeta tendo como referência o período pré-industrial).
São recomendações, um cardápio de opção, e não um compromisso?
É como dizer: "Escolhe se você coloca a cebola ou não no sanduíche". Acontece que não tem sanduíche, não tem conteúdo, não tem substância, se a gente não estiver falando de eliminação progressiva de combustíveis fósseis. Eles tiraram a substância, fizeram parecer que é opcional, que não é urgente. Além disso, não há diferenciação entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Essa posição de eliminação dos combustíveis fósseis e diferenciação entre países desenvolvidos e em desenvolvimento é também do governo brasileiro. Você acha que o país tem força para colocar esse ponto na mesa e virar o jogo? Ou não é mais possível?
A gente está igual a jogador de futebol. Está chegando no final da extensão do tempo extra, da prorrogação, e agora a gente vai para os pênaltis. Tenho esperança de que o Brasil tem papel bastante importante na construção de consensos. O Brasil está inserido em ambientes de conversa que são muitos centrais, nos quais estão países difíceis de convencer, como Índia, China e África do Sul (parceiros dos Brics). Quando o Brasil concorda com algo, ele sinaliza para outras nações em desenvolvimento e torna esse processo mais aceitável, porque eles sabem que o país defendeu uma agenda que garanta financiamento, capacitação técnica e a diferenciação de tempo necessária para que consigam atingir esse objetivo. A gente nunca pode desistir do jogo até que seja declarado encerrado. É difícil pensar que a gente vai chegar a uma conclusão das negociações com um acordo claríssimo de eliminação progressiva dos combustíveis fósseis até 2050 - até 2030 com redução significativa. Mas pode ser que a gente consiga a criação de um grupo de trabalho para discutir a eliminação.
Já seria um ganho?
Já seria um ganho e essa é a proposta do Brasil. Como se fez com Fundo de Perdas e Danos, inserir um "track" de negociação sobre como vamos fazer, dado que temos de fazer isso para atingir a "missão 1,5ºC", que é o objetivo que o Brasil trouxe. Se essa proposta for para frente, de criação de um grupo de trabalho, e os países que são contrários à discussão de (eliminação) de combustíveis fósseis, como Arábia Saudita... Se a gente garantir que esse tema não seja excluído das negociações no futuro já seria grande ganho. Porque o que falam é: "Vocês estão aí pedindo que a gente consiga um texto mais ambicioso, menos fraco, mas do outro lado tem gente tentando apagar isso do texto, garantir que o termo combustíveis fósseis nem apareça". Então, a gente precisa garantir que isso não aconteça também. Caso a gente não consiga eliminação progressiva, pelo menos uma redução significativa até 2030... porque é muito melhor ter algo com prazo adequado do que ter eliminação "talvez um dia". Estamos fortemente batendo nessa tecla com os negociadores brasileiros.
Muitos dizem que os países contrários à eliminação de combustíveis fósseis não estavam deixando clara sua posição na mesa de negociação e que por isso havia rascunhos mais fortes. Você acha que isso ocorreu?
Sim, ocorre muito. É uma técnica negociadora. Deixar a negociação avançar e chegar no final e vetar opções importantes. Isso é, infelizmente, uma técnica negociadora que eles utilizam porque só se tem algum resultado se todo mundo concordar. Então, dá-se a impressão de que todo mundo está concordando com essa linguagem e, no final, veta-se essa opção. Isso é muito triste, já aconteceu em vários outros momentos. E, sim, é uma técnica negociadora, inclusive para não se expor perante a mídia internacional, não receber paulada dos seus cidadãos. É o famoso: "Deixa baixo, vamos deixar o jogo correr um pouco, e aí a gente entra no final e declara o pênalti e vence a partida".