Independentemente do texto da declaração final da COP28, que deve ser publicado ao longo da madrugada aqui no Oriente Médio, o que vimos na conferência do clima de Dubai renderia uma crônica de morte anunciada. Sem o talento de Gabriel García Márquez nem o espaço de um livro para tanto, arrisco dizer que testemunhamos o terceiro golpe contra o sistema multilateral das Nações Unidas erigido no pós-Segunda Guerra nesse evento global.
O impasse que provocou o adiamento do final da COP28, prevista para ter terminado nesta terça-feira (12), é a antítese dos discursos bem intencionados da abertura, no dia 30, quando chefes de Estado e de governo se regozijavam na ExpoCity e, extravazando o tempo regulamentar de seus pronunciamentos, prometiam esforços para evitar "a catástrofe climática", "o ponto de não retorno", e bradavam "a urgência de nos unirmos", como humanidade, em prol de um "desafio comum": conter o aquecimento global que já provoca tragédias ambientais mundo afora - inclusive no Rio Grande do Sul.
Palavras ao vento do deserto.
Com o andar da carruagem, ao longo dos dias, fomos observando, na COP, a repetição de um roteiro conhecido nas relações internacionais: o cada um por si.
Depois de alguns esboços em que se falava da urgência de um documento firme, com metas e objetivos claros para limitar a elevação da temperatura média do planeta em 1,5ºC em relação ao período pré-Revolução Industrial, o que se viu foi um texto frouxo. O tema dos combustíveis fósseis entrou no quinto item do documento, quase caindo da página, como se os países tentassem esconder que a utilização desses recursos é a principal responsável pela emissão de gases do efeito estufa.
Muito ar-condicionado se gastou, muito discurso foi proferido, milhares de pessoas viajaram a Dubai de avião - uma das principais fontes de emissão de gases poluentes -, inclusive esse colunista.
A imagem dos primeiros dias, de um mundo preocupado com a urgência climática, não combina com o imbróglio das últimas horas - do cada um por si. Esse é o terceiro golpe de morte na Organização das Nações Unidas (ONU): o primeiro foi a incapacidade de articulação conjunta contra a covid-19, o segundo a inação para evitar as guerras da Ucrânia e entre Israel e Hamas. No futuro, a continuarmos nessa marcha de insensatez, não haverá pandemias nem guerras. Porque não haverá humanidade. Nem Terra.