Não é de agora que há suspeitas de conflito de interesses sobre o presidente da COP28, a conferência mundial do clima que começa em Dubai nesta quinta-feira (30). Sultan Ahmed al-Jaber é uma espécie de síndico do evento, se olharmos o encontro global como uma grande reunião de condomínio para discutir como cada país está fazendo o tema de casa de reduzir emissões de gases que provocam o efeito estufa.
Al-Jaber foi escolhido pelo governo dos Emirados Árabes Unidos, onde fica Dubai, para organizar a conferência e garantir seu sucesso - no caso, o compromisso dos países em limitar a temperatura média do planeta a 2ºC (o ideal seria 1,5ºC, conforme o Acordo de Paris), em relação aos índices pré-Revolução Industrial. As suspetas sobre o "síndico" começaram desde que seu nome foi indicado pelo governo anfitrião. Al-Jaber é um conhecido político e empresário. É ministro da Indústria e Tecnologia e, ao mesmo tempo, líder da gigante estatal de petróleo, a Abu Dhabi National Oil Company (Adnoc), e da maior estatal de energias renováveis, a Masdar. Quando confrontado com a questão de estar à frente de uma empresa de combustíveis fósseis e liderar as negociações para buscar limitar a emissão de gases poluentes, Al-Jaber costumava dizer que ao liderar uma empresa de energia verde (a Masdar) o colocaria na melhor posição possível para negociar a transição energética.
Diga-se de passagem, os Emirados são o terceiro maior produtor da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e ocupa o sexto maior índice de emissões de CO2 per capita do mundo.
Quando esse ponto estava quase sendo esquecido diante do entusiasmo que a COP desperta em governos, mídia, empresas e ambientalistas, um reportagem da rede BBC publicada na segunda-feira (27) levantou nova suspeitas sobre o "síndico". Documentos preparatórios da conferência, obtidos pela emissora, mostram que o governo dos Emirados estaria utilizando a COP para fechar acordos comerciais de petróleo e gás. Trata-se de uma compilação de 150 páginas de relatórios preparados pela equipe da COP28 para as reuniões de Al-Jaber com pelo menos 27 governos estrangeiros, de acordo com a BBC. O material inclui "pontos de discussão" sobre energias fósseis e renováveis.
Por si só, fazer negociações comerciais durante a COP28 é considerada uma violação dos padrões de conduta esperados do presidente, segundo normas estabelecidas pelo órgão da ONU responsável pelos debates, a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC). O órgão afirma que o "princípio fundamental" para os presidentes da COP e suas equipes é "imparcialidade". Negócios que reforcem o uso de combustíveis poluentes são ainda piores. A descoberta pode jogar por água baixo o plano dos Emirados, que ergueram um oásis tecnológico gigantesco entre o deserto e o Golfo Pérsico graças ao petróleo, de vender ao mundo a ideia de que esse dinheiro agora bancará uma economia mais verde.
Aliás
No caso do Brasil, um dos documentos obtidos pela BBC orienta que, em reunião com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, seria solicitada uma ajuda para "garantir o alinhamento e o endosso" em relação a uma oferta da Adnoc para a compra da Braskem. No início deste mês, a Adnoc fez uma oferta de US$ 2,1 bilhões (R$ 10,3 bilhões) para adquirir uma participação importante da empresa. Marina nega ter conversado sobre o assunto com o presidente da COP.