Antes que o terror se abatesse, com toda a fúria e ódio, sobre Israel no fatídico 7 de outubro, o país vivia um caos político e institucional sem precedentes. Tivera cinco eleições em três anos, conseguira colocar para a fora do Executivo um primeiro-ministro réu por corrupção, Benjamin Netanyahu, vivera uma estranha aliança de governo que incluía oito partidos - da extrema direita à extrema esquerda, observara o desmoronamento da esdrúxula fórmula, e testemunhara a ressureição de Bibi das catacumbas da política com ganas de atacar a Suprema Corte e garantir sua perpetuação no poder.
Em março deste ano, por exemplo, Bibi, como Netanyahu é conhecido, conseguiu aprovar, na Knesset, o parlamento, um projeto de lei que garantiu que apenas os deputados, o próprio primeiro-ministro ou seu gabinete poderiam determinar seu afastamento por inaptidão física ou mental. O projeto foi considerado pela oposição "uma lei personalizada, vergonhosa e corrupta" ao impedir, por exemplo, a Suprema Corte de qualquer ação nesse sentido. A ofensiva de Netanyahu contra a democracia israelense não pararia aí: viriam as sucessivas tentativas de reformar o sistema judicial do país, mirando a Suprema Corte e enfraquecendo a supervisão judicial sobre formulação de políticas.
Nos bastidores, essa agenda é vista como manobra para driblar a Justiça e seguir no comando. Bibi é réu em vários casos. O mais famoso deles é o Caso 4.000, no qual é acusado de apoiar legislações que favoreceriam a gigante midiática Bezeq em troca de cobertura positiva no site de notícias do grupo, o Walla. Os procuradores apresentaram mais de 300 situações em que o governo pediu para o site amenizar o tom da cobertura sobre o premier e sua família - 150 delas envolveram Bibi diretamente. Em paralelo, ele é acusado de ter recebido charutos, champanhe e jóias no valor de quase US$ 200 mil de pessoas ricas em troca de favores financeiros ou pessoais.
Quando o horror se abateu sobre Israel, o país tinha, pela primeira vez, um chefe de governo acusado criminalmente. O próprio Netanyahu, no entanto, sabe que, de todos os julgamentos, aquele ao qual não escapará será o da opinião pública após os ataques do dia 7.
- Todo mundo vai responder por isso, inclusive eu - disse, na quarta-feira, em rede nacional. - Mas isso vai acontecer somente depois da guerra - acrescentou.
A conta vai chegar pelo apagão no sistema de segurança e de inteligência que precedeu o massacre. Nem a grande Golda Meir resistiu à Guerra do Yom Kippur.
Internamente, Bibi tem sido criticado por não ter se encontrado com os sobreviventes dos massacres e por não comparecer a nenhum dos funerais.
Os movimentos por terra na Faixa de Gaza, anunciados pelo governo nas últimas 48 horas, revelam enorme pressão sobre Netanyahu. Não foram as primeiras operações, mas as primeiras que seu gabinete decidiu anunciar. A intenção parece ser a de sinalizar ao Hamas e à opinião pública israelense que o governo não irá esmorecer, mesmo passadas quase três semanas do dia da infâmia. O moral das tropas no front também já dá sinais de baixa diante da demora da anunciada incursão terrestre. O tempo depõe contra Israel, que perdeu, pouco a pouco, legitimidade internacional para a resposta diante dos números de palestinos mortos em bombardeios.
"Acabar com o Hamas", promessa de Netanyahu, soa hoje como algo muito amplo. Faltam objetivos militares claros. A grande preocupação deveria ser o que vem depois da invasão de Gaza. Como ocupar e administrar o território? Se o 7 de Outubro foi o 11 de Setembro israelense, cabe aprender com a tragédia americana: os EUA destituíram o Talibã para vê-lo retomar o poder 20 anos depois no Afeganistão. Derrubaram Saddam Hussein para assistirem o caos iraquiano parir o Estado Islâmico.
Entrar em Gaza cobrará um preço altíssimo em perdas humanas: civis palestinos, militares israelenses e o risco elevado de vermos, ao vivo, terroristas do Hamas assassinar, a cada dia, um refém. Netanyahu já teve selado o fim de sua carreira política. Mas ainda há tempo de salvar vidas.