Desde que foi criado, em 1948, Israel consolidou-se, ao longo de seus 75 anos de História, como o único país democrático encravado em um naco de terra dominado por ditaduras árabes.
Extramuros, pode-se questionar seus métodos violentos contra os palestinos, as políticas de diferentes governos que transformaram a Cisjordânia em uma colcha de retalhos que inviabiliza a solução de dois Estados e como colonos judeus foram instrumentalizados a serviço dessa ocupação. Mas não se pode negar que, internamente, Israel erigiu instituições sólidas com pleno exercício do Estado democrático de Direito.
Tudo isso está em risco - e não é de agora. A crise política dos últimos anos, a polarização e as sucessivas eleições eram sintomas da falência institucional que agora se apresenta na forma de uma grave ameaça à democracia. A investida do governo de Benjamin Netanyahu e da Knesset (parlamento) sobre a Suprema Corte vai desequilibrar o sistema de freios e contrapesos, baluarte de qualquer regime institucional.
Nesta sua reforma judicial, o primeiro-ministro ganhou o primeiro round. Na segunda-feira (24), conseguiu que o parlamento, onde tem maioria de direita e extrema direita, aprovasse a primeira das várias medidas arrasa-quarteirão sobre o Judiciário: derrubou, por exemplo, o instrumento da Suprema Corte que permite aos magistrados julgar casos baseados no chamado "padrão de razoabilidade".
Eu explico: como em Israel não há uma Constituição, diferentemente da maioria dos países, as decisões tomadas pela Suprema Corte são julgadas de acordo com as chamadas "leis básicas". Elas foram se consolidando, desde a fundação do país, como uma espécie de conjunto de cláusulas pétreas, que definem o funcionamento das eleições e as relações entre as instituições. Na prática, são quase como uma Carta Magna, uma Constituição não escrita digamos assim.
Essas leis básicas permitem que os magistrados, sem uma Constituição para se guiar, recorram ao princípio da razoabilidade para tomar suas decisões. Esse princípio, obviamente, é subjetivo. Mas permite à Justiça tomar decisões contrárias a um político, por exemplo, quando "os interesses do povo" estiverem em risco.
Assim, a Suprema Corte tinha, até segunda-feira (24), o poder de derrubar medidas do governo e indicações de ministros ou outros servidores para cargos públicos que não fossem "razoáveis" - a de alguém, por exemplo, envolvido em casos de corrupção. Esse princípio foi utilizado em janeiro deste ano para afastar o número 2 do governo, Aryeh Deri, condenado anteriormente por fraude fiscal.
Essa decisão de limitar os poderes da Suprema Corte ganha mais peso porque o próprio Netanyahu é réu, acusado de suborno, fraude e quebra de confiança.
Essa mudança empreendida pelo governo, com aprovação do parlamento, é apenas a primeira do pacote. Outra é a mudança na composição da comissão que faz a seleção dos juízes da Suprema Corte. Hoje, o grupo é composto por nove membros, entre políticos, magistrados e advogados divididos de forma equilibrada. A alteração desequilibra a comissão para o lado político.
O país está mergulhado em greves e paralisações. Netanyahu, com sua sede de poder - em última análise, a reforma pode beneficiá-lo nos processos criminais -, conseguiu aglutinar contra si políticos seculares e religiosos, ativistas pela paz e militares, além de grupos de direita e de esquerda. No caso dos militares, imprescindíveis em um Estado que vive sob permanente ameaça de deixar de existir, chama atenção que 10 mil reservistas prometem não servir. Se isso se confirmar, a estabilidade deixa de ser interna e se torna uma ameaça de segurança existencial. Grupos extremistas, como o Hezbollah, já observam os sinais de fragilidade de Israel.