Sabemos que, sempre quando está acuado, Vladimir Putin eleva o tom das ameaças. Foi gradual. No início da semana, suspendeu a participação da Rússia no acordo que permitia o escoamento da produção de grãos da Ucrânia via Mar Negro, colocando em risco a segurança alimentar de boa parte do mundo — em especial de populações do Oriente Médio e da África que dependem dos cereais ucranianos para subsistência.
Depois, passou a atacar silos e armazens de cereais. Em três dias, suas bombas destruídam cem toneladas de ervilhas e 20 toneladas de cevada em portos de Odessa e Mikolaiv. Ora, só há uma coisa pior do que transformar depósitos de comida em alvos de guerra: atacar hospitais. Putin já fez isso, com menos de um mês de conflito, quando despejou bombas sobre uma maternidade de Mariupol.
Agora, além de atacar silos, ele põe na mira navios civis. O Kremlin tem dito que embarcações que navegarem pelo Mar Negro a caminho da Ucrânia serão consideradas alvos militares porque entende que estariam transportando armas para as tropas de Volodimir Zelensky. Na sexta-feira (21), mísseis de cruzeiro foram disparados contra um navio usado como alvo fictício pelos russos. Daí para um erro de cálculo é um passo. O que ocorrerá se uma embarcação com bandeira do Ocidente for torpedeado naquela região? Sem dúvida, será considerado ato de guerra.
A história é pródiga em episódios em que navios civis foram à pique levando nações ao conflito. O Brasil mesmo, em 1942, se aproximava dos países do Eixo, mas se decidiu pelo lado dos Aliados quando, naquele terrível agosto, submarinos alemães passaram a afundar embarcações mercantes em nossa costa. Em 72 horas, cinco navios foram torpedeados, nas águas entre Sergipe e Bahia, matando 607 pessoas. Na sequência, a tragédia do Baependi, navio de passageiros, matou 63 tripulantes e 233 passageiros. O Brasil de Getúlio Vargas entrou na Segunda Guerra Mundial, no lado certo da História.
A semana no Leste Europeu terminou em alta tensão, com Putin alertando que a Polônia pretende intervir na guerra da Ucrânia, com o envio de tropas para a região oeste do país invadido. Não mostrou provas. Mas sua lógica seria de que o Ocidente se encarregaria de proteger a porção do país de Zelensky mais próxima à fronteira da Otan, seguindo até o Rio Dniepre e a capital Kiev. Na prática, isso significaria partir a Ucrânia ao meio, já que boa parte do Leste está ocupada pela Rússia. Mais: seria entendido como o envolvimento direto de um país da Otan no conflito — o que certamente não seria permitido, neste momento, pelos Estados Unidos, sem que houvesse, primeiro, uma ação agressiva contra a aliança atlântica por parte de Moscou.
Putin também deixou claro que irá proteger Belarus, onde, diga-se de passagem, estão posicionadas armas nucleares russas. Nada muito novo, nem se esperava algo diferente já que o país do ditador Aleksanr Lukachenko se tornou títere do Kremlin.
As ameaças soam como blefe de alguém acuado. Aliás, toda essa gritaria de Putin veio na semana na qual o presidente também decidira não viajar para a cúpula dos Brics na África do Sul por medo de ser preso por ordem do Tribunal Penal Internacional (TPP), por crimes de guerra. Putin já não pode colocar o pé fora da Rússia.