Com mais de 10 anos de experiência no mercado asiático e especialista em China, Larissa Wachholz avalia as oportunidades para o agronegócio e o setor de ciência e tecnologia brasileiros a partir da visita do presidente Lula ao país asiático. No campo, área que conhece muito bem, ela destaca o exemplo que o agronegócio tem a dar sobre descarbonização de cadeias de suprimento.
Larissa foi assessora especial para assuntos relativos à China da ex-ministra Tereza Cristina, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, no governo Jair Bolsonaro.
A especialista morou em Pequim entre 2008 e 2013, trabalhando com desenvolvimento de negócios e relações institucionais. Como sócia da assessoria financeira Vallya Agro, entre 2013 e 2019, foi responsável pela assessoria estratégica de diversas transações com foco em China, em setores como energia, infraestrutura, máquinas e equipamentos.
A caminho da China, ela concedeu a seguinte entrevista à coluna.
Começando pela área que a senhora conhece muito, que é o agronegócio. O que espera de concreto da viagem de Lula para o setor?
Uma das grandes expectativas é que ocorra o fim da autossuspensão da carne bovina, que acabou se dando por causa de um caso de vaca louca e que depois se provou um caso atípico. Há expectativa de que a suspensão seja encerrada e que as exportações possam retomar seu fluxo normal. Além disso, há sempre a expectativa de aprovação de novas plantas de proteínas animais, para que novas possam exportar, para a China, aquilo que processam. Penso que teremos anúncios também de novos produtos vegetais tendo mercados abertos para que possamos diversificar as exportações. Talvez surja algo na área de cereais. Há expectativa grande em frutas porque uma negociação que acabou culminando no primeiro produto brasileiro exportado na área para a China, o melão, que ocorreu em 2020. Desde então, tem-se expectativa de que se aumente esse rol de produtos. Um encontro presencial na Ásia é sempre muito valorizado, sempre uma oportunidade de novos avanços, de novos acordos.
Tudo o que tem a ver como tema ambiental no centro do debate é uma agenda nova na relação com a China
Como a questão ambiental entra nessas negociações?
Tenho uma expectativa e vejo que a agenda se encaminha pra isso, felizmente: vale muito a pena mostrar o papel do agro brasileiro no processo de descarbonização de cadeias de suprimento. O Brasil tem um exemplo muito interessante, que é a agricultura de baixo carbono, que é um projeto que já está em vigor há bastante tempo e que pensa a utilização de tecnologias que levam a menor emissão de gases de estufa na produção agorpecuária. É claro que a gente sabe que a agricultura ocupa um percentual pequeno diante de outras grandes transformações que precisam ser feito na economia de forma geral, no setor de transporte e energia, mas tem uma contribuição a dar. Encorajar os chineses a ter conhecimento sobre esse potencial brasileiro e participar disso por meio de promoção de parcerias, de investimentos, no setor e de financiamento da expansão dessas técnicas, são coisas interessantes. Tudo o que tem a ver como tema ambiental no centro do debate é uma agenda nova na relação com a China. A China fez grandes transformações nessa área nos últimos anos e certamente vai se refletir na relação com o Brasil, inclusive no agronegócio.
O Brasil tem de priorizar o seu desenvolvimento, e nesse sentido quanto mais parceiros tiver, melhor. Foi assim que chegamos até aqui
Há também várias promessas de acordos na área em ciência e tecnologia. O que deve ser mais relevante?
Destaco como mais de relevante é o lançamento de um novo satélite, que nos permitirá fazer um controle mais apurado das questões de uso da terra, por exemplo, na região amazônica, mesmo em situação de dias nublados. Essa cooperação do Brasil com a China na área de satélites é antiga e já tem uma história muito interessante. Reafirmar essa parceria é muito válido.
Do ponto de vista político, o governo deve utilizar a viagem para contrabalançar a influência dos EUA, ou seja barganhar posições de vantagem em relação aos americanos?
Não imagino uma ação proposital de contrabalançar a influência dos EUA e de fazer barganha. Mas é uma demonstração clara de que que países em desenvolvimento, que têm essas características de serem grandes em extensão e população, tão diversos, ganham com o ambiente multipolar. É isso que precisa ser destacado. O Brasil tem de priorizar o seu desenvolvimento, e nesse sentido quanto mais parceiros tiver, melhor. Foi assim que chegamos até aqui e alcançamos diferentes tecnologias no país. Nossa diplomacia tem, tradicionalmente, essa característica e precisamos continuar prezando por isso: uma diplomacia equidistante, que preza pelo interesse nacional.
Como a senhora acredita que será a retomada dos Brics e a possível confirmação, durante a viagem, da ex-presidente Dilma Rousseff na presidência do banco da instituição?
O mais importante é destacar a oportunidade que o Brasil tem com a presidência do Banco de Desenvolvimento. É uma vitória importante do grupo de países chamado Brics a consolidação dessa instituição, e acho que a gente tem de fazer o melhor uso possível dela. Dado que o foco seja infraestrutura sustentável é uma grande oportunidade que o Brasil tem de valorizar uma relação mais próxima com essa instituição, por exemplo, por meio do financiamento de ferrovias, de infraestrutura que preze por maior eficiência do transporte, redução de custos e emissões. O principal é valorizar a presidência brasileira na instituição.