Em 20 de março de 2023, há exatos 20 anos, o mundo esperava, em frente à TV, conectado à rede CNN, o início da chuva de bombas americanas sobre Bagdá. Com as armas de George W. Bush apontadas para o Iraque, a questão não era se, mas quando o choque e pavor começaria na capital iraquiana. Mas não seria pela grande emissora internacional, que se consagrara na Guerra do Golfo, em 1991, que veríamos o início da guerra. Desta vez, Carlos Fino, um repórter da RTP portuguesa, se encarregaria de mostrar, ao vivo, a hora zero do conflito.
A Guerra do Iraque, que completa duas décadas nesta segunda-feira (20), ocorria no contexto da Guerra ao Terror, iniciada por Bush, após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 em Nova York e Washington. Após a derrocada (ao menos imaginava-se à época) do Talibã, a entronação da oposicionalista Aliança do Norte no poder em Cabul, fazia com que falcões da Casa Branca dessem por terminada a aventura no Afeganistão. Era hora de terminar o serviço inciiado 12 anos antes pelo presidente Bush pai, que libertara o Kuwait das mãos de Saddam, mas não avançara Iraque a dentro.
Sob o pretexto do arsenal de armas de destruição em massa supostamente em poder do sanguinário ditador iraquiano, Bush filho iniciou a operação às 5h35min de Bagdá (23h35min do dia anterior em Brasília). Havíamos fechado a primeira edição, que costumava ir para o interior do Rio Grande do Sul. Iniciávamos a confecção da segunda, destinada à Capital e Região Metropolitana.
De repente, a noite de Bagdá, cuja luz dos prédios refletia na água do histórico Rio Tigre, ganhou contornos de terror, com fumaça ascendendo em diferentes pontos e formatos.
Como era de se esperar e como de hábito, a guerra começou com um bombardeiro incessante sobre a capital iraquiana. Cento e oitenta corajosos jornalistas testemunharam, in loco, ao vivo, o horror de perto. Quem ficou, ficou. Quem saiu, não retornou, porque as fronteiras foram fechadas imediatamente.
Vinte anos atrás, eu tinha 24 anos, era repórter iniciante da então editoria de Mundo de Zero Hora. Obviamente, queria ter viajado, como se tornaria costume a cada vez que um grande fato internacional se escancarava diante de nossos olhos (estar presente onde as coisas importantes ocorrem, no RS, no Brasil e no mundo, sempre foi uma característica do Grupo RBS), mas, àquela altura, precisei segurar o ímpeto e me colocar no lugar de "foca", o apelido dado a jornalistas em início de carreira. Lembro que, a mim, coube produzir, diariamente, um resumo das operações táticas, por meio de um gráfico de uma página em Zero Hora feito pela Editoria de Arte sob minha orientação.
Guerra estranha aquela, com um anunciado choque de blindados no meio do deserto, que nunca ocorreu - aliás, os blindados iraquianos desapareceram, e o que se viu foi um passeio americano em meio a muita poeira e registrado ao vivo por câmeras posicionadas em frente aos carros de conbate. Também as armas de destruição em massa, argumento para o conflito, nunca foram encontradas.
A estátua de saddam Hussein na Praça Firdus, no centro de Bagdá caiu em menos de 20 dias, e com ela o regime. O ditador em pessoa foi capturado, julgado por um tribunal iraquiano sob a égide dos americanos, e enforcado. O colapso da ditadura abriu a caixa de Pandora de grupos xiitas e unitas, facções do Islã, que viveram, por décadas, amarrados sob a falsa paz da autocracia. Liberados do jugo do tirano, iniciaram uma guerra fratricida que mergulharia o país no conflito civil.
A Guerra ao Terror de Bush também iria parir o Estado Islâmico, um grupo, ironicamente, mais cruel ainda do que a rede Al-Qaeda, de Osaba bin Laden. Foi nesse contexto, do Iraque sob o julgo do EI que, em 2016, já calejado pela experiência da cobertura de conflitos no Oriente Médio (Líbano, 2006, e Primavera Árabe, em 2011), desembarquei em Bagdá, como enviado especial do Grupo RBS, para produzir uma espécie de documento sobre a guerra que, ali, completava 13 anos.
O resultado de sete dias na metrópole mais perigosa do mundo foi publicada no caderno DOC, em 19 páginas, a reportagem mais estensa da minha vida e em um especial de GZH que pode ser conferido aqui, com vídeos e áudios. Durante todos os sete dias em que estive em Bagdá houve atentados - um deles, matou mais de 90 pessoas em um mercado a céu aberto onde eu havia estava um dia antes. Testemunhei ao vivo o dia a dia da guerra entre irmãos, e fui a Ramadi, primeira cidade sob poder do EI e então desocupada pelas tropas iraquianas.
Ainda hoje, o país não está pacificado, embora o EI não possua mais poder de fogo para levar adiante seu falso califado. Alguém dirá que o mundo é melhor sem Saddam. E eu concordo, assim como é melhor sem Muamar Khadafi. Mas a questão é como chegamos até aqui. Passados 20 anos, o Iraque produziu mais de 900 mil mortos (esse dado, obviamente, é impreciso). Ainda assim, a guerra é é uma amostra de como um território pode se tornar parte de interesses geopolíticos. Hoje, a Guerra ao Terror é passado, ainda que seus efeitos estejam presentes a cada viagem em voo internacional, com o recrudescimento da segurança aérea e o medo, em território americano, da repetição do 11 de Setembro.
Mas o inimigo, hoje, é outro.