Durante dois anos do governo de Jair Bolsonaro, o Brasil estabeleceu um alinhamento automático com o governo de Donald Trump, nos Estados Unidos. O apreço quase obsessivo da família Bolsonaro pelo então presidente americano e a imitação por aqui de seus trejeitos levaram boa parte da imprensa a apelidar o brasileiro de "Trump dos Trópicos".
A exemplo americano, o Brasil — cuja política externa era comandada pelo chanceler Ernesto Araújo, discípulo do escritor Olavo de Carvalho e inspirado pela alt-right de Steve Bannon — retirou-se de fóruns internacionais, rejeitou organismos de direitos humanos e de combate ao aquecimento global das Nações Unidas, abandonou vizinhos e uniu-se à Casa Branca trumpiana no negacionismo à gravidade da covid-19 e na ojeriza à China.
Em troca dessa união carnal com Trump, ganhamos a promessa de entrar na OCDE e a consideração de aliados extra-Otan.
Na campanha presidencial americana, em 2020, Trump apregoou a exigência do voto impresso, levantando dúvidas sobre o sistema eleitoal. Fossem as eleições em janeiro daquele ano, possivelmente teria se mantido no poder, graças à geração de emprego e o crescimento da economia.
A covid-19 destruiu não só vidas, mas o sonho do republicano de ganhar mais quatro anos na Casa Branca. Joe Biden foi eleito em um dos pleitos mais polarizados da história dos Estados Unidos, com denúncias de fraude nunca comprovadas por Trump e um resultado nunca admitido pelo então presidente.
Em 6 de janeiro de 2021, quando o Congresso americano se reunia no Capitólio apenas para ratificar o resultado do pleito, legítimo e transparente, uma turba de vândalos insuflados por Trump por meio de redes sociais tomou de assalto Washington. Cinco pessoas morreram no maior teste de estresse da mais tradicional democracia do planeta.
Trump deixou a presidência sem passar o poder a Biden. Mudam as datas, os locais e os personagens. Mas o script é o mesmo vivido pelo Brasil antes, durante e depois das eleições de outubro.
Luiz Inácio Lula da Silva apresentará a Biden, na sexta-feira (10), essa história comum, atualizada pelo discurso de saída do isolamento e reinserção internacional — os EUA como locomotivas mundiais, o Brasil como líder regional. Ao lado da agenda ambiental, Lula também dirá que as duas democracias foram atacadas. E sobreviveram.
Comitiva
Lula deve viajar aos Estados Unidos com uma comitiva menor do que a que esteve em Buenos Aires e Montevidéu. Devem acompanhá-lo três ministros: Mauro Vieira (Relações Exteriores), Fernando Haddad (Fazenda) e Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança Climática). Além deles, irá Celso Amorim. Há possibilidade de que Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, também viaje.
Encontros
A agenda de Lula em Washington ainda não está fechada. Além do encontro com Biden, na sexta-feira à tarde, na Casa Branca, há expectativa de que o presidente se encontre com empresários brasileiros, no sábado (11).
Há também o desejo de congressistas democratas se encontrarem com o brasileiro, em especial o senador Bernie Sanders e a deputada Alexandria Ocasio-Cortez, da ala mais à esquerda do partido. Aliados de Lula, no entanto, têm sugerido ao presidente que cumpra apenas a agenda na Casa Branca a fim de sinalizar o peso da viagem ao focar toda a atenção em Biden.
Plataformas digitais
Outro tema que deve aparecer nos discursos de Lula e Biden, após o encontro de sexta-feira, é a defesa da regulamentação das plataformas digitais. Lula deseja que o G20 discuta o assunto, que é tratado como prioridade pelo governo desde os ataques de 8 de janeiro.
Os dois presidentes devem sinalizar o combate ao crescimento da extrema direita e as ameaças à democracia, representadas, na visão de cada um, por Jair Bolsonaro e Donald Trump. Lula deve ainda propor a criação de um grupo de países para discutir e mediar um possível cessar-fogo na Ucrânia.