Os dias andam difíceis em Brasília e quase não sobra tempo para nada além da política, mas não gostaria que o 2 de fevereiro terminasse sem dizer algumas palavras sobre a jornalista Glória Maria, da TV Globo, que morreu nesta quinta-feira.
Criança no bairro Bom Fim, em Porto Alegre, cresci colecionando as revistas National Geographic e Superinteressante, os cadernos especiais de retrospectiva de Zero Hora e... gravando em VHS as reportagens especiais de Glória no Globo Repórter.
Achava incrível conhecer o mundo pelos seus olhos: pular de bungee jump, andar de montanha-russa, escalar as mais altas montanhas do planeta, conhecer culturas longínquas, cobrir guerras, ir a lugares onde poucos conseguem ir e conversar com personalidades históricas (de Jimmy Carter a Madonna e Michael Jackson), estar nos Jogos Olímpicos e em Copa do Mundo. Enfim, testemunhar a História acontecer ao vivo, a cores, na nossa frente, como Glória testemunhava.
Como não acredito em destino, foi bastante por inspiração daquela mulher fazendo coisas "malucas" como flanar em gravidade zero que, acho, me tornei jornalista. Pude viver algumas das experiências que só o jornalismo propicia - de vivenciar momentos históricos não apenas por nós, mas pela missão de poder contar ao público o que estamos vivendo. A feliz arte de pegar o leitor, ouvinte e telespectador pelo braço e levar conosco. E quantas vezes, na guerras que cobri, tive a sensação de não estar sozinho porque eles (no caso, você que está lendo esse texto) estavam comigo.
Em vida, Glória extraiu tudo o que o jornalismo pode propiciar de experiências - da dor dos conflitos à alegria dos encontros, de beber da sabedoria dos humildes e regozijar-se da majestade dos reis - ou vice-versa. Só o jornalismo nos permite isso.
Ela soube, sobretudo, preservar o olhar curioso, do novo, do estranhamento, mesmo quando pisava em terras já conhecidas. É esse o segredo da vida e do jornalismo.
Nas tantas retrospectivas e homenagens sobre sua vida ao longo desta quinta-feira (2), uma delas me chamou a atenção. Na Jamaica, a jornalista preparava-se para, em um carrinho, descer, em alta velocidade, uma montanha em meio a uma floresta. Antes da aventura, Glória, que não sabia dirigir, admitia seu medo de guiar automóveis.
Me identifiquei, porque, também eu, com um currículo bem menor de viagens do que os mais de 160 países conhecidos por Glória, mas com alguma experiência em terras no Exterior, confesso a amigos próximos o medo de viajar de avião. Mas seguimos em frente, com medo mesmo, porque só assim nos abrimos ao novo, ao diferente, ao estranho - e eliminamos nossos próprios preconceitos.
Obrigado, Glória, pela inspiração.