A participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na sétima reunião de cúpula da Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos), na próxima terça-feira, é uma espécie de refundação desse fórum de 33 países, fundado em 2010 sob a marca da América Vermelha que se desenhava à época. Nasceu em um balneário do México, por iniciativa de Hugo Chávez, da Venezuela, com apoio de Lula em seu segundo mandato. O objetivo declarado era resgatar os laços entre os países do continente tomado por governos de centro esquerda, esquerda e extrema esquerda, que não reconheciam na Organização dos Estados Americanos (OEA) uma representante de seus ideais - ou melhor, via na prima-irmã, fundada em 1948, um instrumento dos Estados Unidos sobre a América Latina e Caribe.
As contradições entre discurso e prática não tardariam a emergir: ao final da cúpula de Havana, em 2014, o documento assinado pelos presidentes se propunha a "fortalecer nossas democracias e direitos humanos para todos". Mera retórica cretina: além de Cuba, notória violadora de direitos humanos sob os irmãos Castro, regimes como de Venezuela, de Chávez, e Nicarágua, de Daniel Ortega, pesavam a mão sobre oposição e rumavam para a autocracia. Aliás, foi em parte essa falta de cola entre palavras e ações que condenaram a Celac à irrelevância. Digo em parte porque a outra razão foi política: ainda que em Cuba, Venezuela e Nicarágua, seus governantes permaneçam entronados nos palácios, em outros países membros o poder migrou, pelo voto, para a direita.
No Brasil do governo Jair Bolsonaro, o chanceler Ernesto Araújo suspendeu a participação na comunidade de nações sob o argumento de que o grupo servia como "palco para regimes não democráticos".
Vivendo uma nova onda de esquerda, com vitórias recentes de políticos desse matiz ideológico no Chile, na Colômbia e no Brasil, a Celac ganha sobrevida. Na visão do "novo" Itamaraty, o fórum é indispensável para a recomposição do patrimônio diplomático e plena reinserção do Brasil na comunidade internacional. Lula chega a Buenos Aires como estrela - não apenas pelo terceiro mandato, inédito na América Latina em processos democráticos, mas porque é visto como um político que ressurgiu do cárcere e sobreviveu, recentemente, a uma tentativa de golpe, em 8 de janeiro. Na visão dos pares, é líder incontestável de um continente com graves crises institucionais - além do próprio Brasil, o Peru enfrenta novamente uma ameçaça de ruptura.
Alberto Fernández, que exerce a presidência pro tempore da Celac, visitou visitou Lula na prisão, em Curitiba, em 2019, quando era candidado a assumir a Casa Rosada - gesto que aprofundou as divergências entre o argentino e Bolsonaro. Além de todo o simbolismo do cenário regional, a visita do brasileiro ao colega é também um gesto de gratidão. Sobretudo em ano eleitoral ao sul do Rio da Prata.