Não é apenas no futebol que a Argentina é uma espécie de alter ego dos brasileiros: nos comparamos com os vizinhos, os invejamos e os criticamos. Ou, como disse Freud, “Quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo. Com a Argentina é assim: quando falamos dos hermanos quase sempre estamos dizendo algo de nós próprios.
O calendário político dos dois países propicia que a primeira visita de Estado de um presidente brasileiro recém-empossado coincida com o início do ano eleitoral argentino. Como é tradição da diplomacia brasileira que a primeira viagem seja para o país vizinho, principal parceiro econômico na região, são comuns alinhamentos e desalinhamentos ideológicos - grosso modo, que um líder dê pitaco na vida política do outro, o que, aliás, mundo afora é visto como interferência em assuntos internos, uma descortesia diplomática que parece não ser levada tão a sério por aqui.
Quando Jair Bolsonaro chegou à Argentina, em junho de 2019, encontrou o anfitrião, Mauricio Macri em um dos momentos mais difíceis do mandato, em meio a uma crise econômica e em campanha para tentar se reeleger. Dois meses depois, o presidente brasileiro, em visita a Pelotas, disse que o Rio Grande do Sul poderia se tornar "um novo Estado de Roraima", caso a esquerda vencesse as eleições no vizinho. À época, Roraima sofria com intenso fluxo de imigrantes vindos da ditadura venezuelana.
A esquerda venceu por aqui. Mas nem a Argentina virou a Venezuela nem o Rio Grande do Sul tornou-se Roraima, embora todos viessem a sofrer os efeitos econômicos da pandemia, que não poupou esquerda e direita.
Lula chega neste domingo (22) a uma Argentina em momento político semelhante ao que Bolsonaro visitou em 2019, pré-eleição e com o governo com popularidade em queda. Mas em uma situação econômica ainda pior. Claro que a agenda bilateral importa. Somadas, as capacidades de ambas as nações representam dois terços do território, da população e do PIB da América do Sul. E há várias tentativas de retomada das relações na agenda. Mas Lula desembarca sobretudo no momento de dar um empurrão à candidatura de Alberto Fernández. Afinal, o alinhamento ideológico, que acaba favorecendo a chamada diplomacia presidencial e se convertendo em negócios, corre sério risco de terminar ali adiante, de novo em outubro.