Como candidato ao Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva fez das críticas às emendas de relator, apelidado de orçamento secreto pela falta de transparência do destino dos recursos federais, um dos cavalos de batalha de sua campanha. "Excrescência" e "a maior bandidagem em 200 anos" foram algumas das expressões que vinham inscritas na bandeira da ética levantada pelo agora presidente eleito. Mas, em plena negociação para a proposta de emenda à Constituição (PEC) da Transição, as articulações para a composição de um ministério que abrigue o amplo arco de partidos que compuseram a frente vitoriosa e em busca de governabilidade, o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do mecanismo, a partir desta quarta-feira (7), coloca Lula em saia-justa.
As emendas permitem que recursos sejam distribuídos ao bel prazer do relator do Orçamento de acordo com indicações dos parlamentares, sem critérios claros da divisão do dinheiro. Assim, por uma questão mortal, o futuro presidente e o PT condenam esses instrumentos. São, em tese, favoráveis às ações movidas no Supremo por Cidadania, PSB, Psol e PV questionando sua legalidade.
O nó da questão é que o julgamento da máxima instância judicial brasileira chega em uma hora complicada, no momento em que Lula precisa do apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) não apenas para aprovar a PEC do Bolsa Família, mas principalmente para garantir a governabilidade. Afinal, foi em grande parte pelo apoio de Lira e às emendas que o atual presidente, Jair Bolsonaro, foi blindado dos mais de 140 pedidos de impeachment protocolados na Câmara nos últimos quatro anos. No atual "zeitgeist" brasileiro, não é difícil imaginar que pedidos de impeachment contra Lula virão nos primeiros cem dias de governo - pra não dizer primeiro mês.
Tivesse o julgamento ocorrido um pouco antes, uma decisão contrária às emendas permitiria ao futuro governo até lavar as mãos, distanciando-se, ele próprio, de enfrentar o problema. A morosidade do Judiciário, que teve um ano para julgar o mecanismo, fez com que a matéria ficasse para o apagar das luzes de 2022. Depois desta quarta, o Supremo só tem outras duas sessões este ano, em 14 e 15 de dezembro, antes do recesso. Enquanto no Congresso, Lula torce para que os parlamentares acelerem a aprovação da PEC, do outro lado da Praça dos Três Poderes, no STF, reza para que o tempo passe mais rápido.