A gaúcha Taila Idzi, 33 anos, ficou desaparecida por cerca de 19 horas no monte Etna, na Itália. No dia 8 de dezembro, ela foi com amigos até um ponto turístico do vulcão. A partir dali, encontrou um casal que estava escalando a montanha. Taila decidiu acompanhá-los. A 2,8 mil metros de altitude, ela percebeu que não estava com calçados apropriados para continuar subindo. O casal seguiu. Taila tentou voltar, mas acabou se perdendo.
Para piorar a situação, o GPS do celular traçou uma rota que a estava conduzindo diretamente para um precipício. Taila passou a madrugada entre rochas, com frio, fome e sede.
- Eu tinha muito medo de perder as mãos e os pés - contou à coluna.
A gaúcha, que é professora de artes em escola municipal de Porto Alegre, foi resgatada por equipes de socorro no dia seguinte, às 11h. Apesar de muitos ferimentos nas mãos, ela está bem e deve retornar ao Brasil nos próximos dias. A seguir, os principais trechos da conversa.
Como tudo começou?
Normalmente, nessa expedição até o Etna, muitas pessoas vão, com ônibus de linha. É um passeio comum. Eu estava com amigos. Normalmente, é tranquilo: as pessoas sobem o Etna, no funicular e depois pegam um veículo mais adaptado para aquele solo vulcânico. Depois, tem algumas expedições que sobem o Etna. Raramente, as pessoas sobem os picos mais elevados sozinhas, o fazem com guia. Eu resolvi subir, mas não sozinha. Encontrei um casal, comecei a conversar com eles, estavam muito equipados. Resolvi subir com eles, porque o rapaz, que é da Catânia, me disse que conhecia muito bem o Etna e a geografia local. A menina era da República Tcheca. Comecei a subir com esse casal. Em um determinado momento, eles ficaram preocupados porque começou a degelar o solo. Lá pelas 16h, o dia começa a acabar. Tinha sido um dia muito quente, o solo estava degelando. Eu estava com um sapato inadequado. Eles temeram pela minha vida e me convenceram a retornar. Eu acabei enfiando o pé em um buraco, meu tênis ficou preso, tive de puxar de volta. Me aconselharam a voltar. Eu não sabia se eu saberia como voltar. Partes da montanha estavam enuviadas, não se via muito bem o caminho de volta. Essa parte é tão alta e íngreme que tu não enxergas o caminho de volta.
A que altitude você estava?
Quando mandei mensagem para o meu amigo e para o meu namorado, porque havia me perdido, eu estava a 2,8 mil metros de altitude.
O celular estava funcionando?
Sim. O problema foi que eu caí, e o celular também. Perdi meu celular por volta das 16h30min. Depois de seguir as nossas próprias pegadas ou de alguém. Acabei me perdendo: seguindo essas pegadas, percebi que estava andando em círculo. Caí, meu celular caiu para outro lado e percebi que o GPS estava me mandando para um precipício. O caminho que ele traçou, não sei como, era de um precipício. No início, falei para meu amigo: "Já achei o caminho, pode retornar". Ele voltou com outros passageiros, e eu fiquei. Ele também já acionou as equipes de salvamento, porque percebeu que eu estava perdida. Ele me dizia para ir a uma região, eu não tinha como ir nem explicarque eu não conseguia andar naquele solo.
O que você fez?
Foi o momento de maior desespero, porque o GPS me mandava para uma região e meu amigo me mandava para outra. O solo estava descongelando. Era muito traiçoeiro. Onde eu pisava, havia perigo de cair. Um dos responsáveis pela brigada de salvamento me disse, depois que fui resgatada, que foi um anjo que tirou o celular da minha mão.
Por que o que o GPS do celular estava te levando para um precipício?
Naquela região, geralmente as pessoas que usam o GPS acabam caindo ali e morrendo. Eu caí para um lado, essa região onde tem alguns rochedos, e, ao mesmo tempo, um pouco de neve. Acabei escorregando na neve. O casal me aconselhou a descer de bunda, que é a forma que garante que tu vai chegar viva lá embaixo. Eu acabai caindo em um vale, escorreguei em uma das colinas e me abriguei entre pedras. É um vale de onde, acho, nunca ninguém saiu viva. Foi muito difícil para as equipes de buscas me encontrarem. Eu sinalizava, eu as via à noite. Sinalizei toda a noite, mas não estavam olhando para aquela região onde eu estava, porque era improvável que eu estivesse ali. Segundo, eles estavam preparados para o quadro pior: as pessoas ficam presas na neve, não conseguem caminhar. Foi meio que sorte eu ter caído ou ter conseguido sair da neve rapidamente. Como eu não conseguia mais caminhar por aquela região, meu corpo ia esfriar, eu ia acabar morrendo de hipotermia.
Como foi quando a noite chegou?
Caí no chão, levantei, me desequilibrei, caí. Comecei a deslizar. Só tentei desviar meu corpo desse precipício. E tentei escorregar por um terreno bastante íngreme, mas pelo menos tinha alguma inclinação. Não era um paredão.
A que distância de você estava o precipício?
Muito próximo. Meu amigo me disse para eu ficar longe desse precipício, para me afastar dessa região. Eu estava desesperada. Estava ficando muito frio. Às 18h, o vento ficou muito intenso. Naquela área onde caí, há uma parte mais rochosa, com menos neve. Há alguns rios de lava, fica um oco e formam-se pequenas grutas, onde era possível se se abrigar. Só que as grutas que encontrei estavam meio congeladas. Eu via as equipes de salvamento, elas faziam sinais com as lanternas. Mas, como meu celular havia caído, eu não tinha como sinalizar. Tudo o que eu tinha para sinalizar era eu mesma. Eu estava vestindo uma jaqueta amarela, e era uma noite de lua cheia. Só que eles não me enxergavam, porque a lua estava atrás do meu corpo, acho que fazia sombra.
E você gritava?
Eu gritava muito. Mas minha voz ecoava por toda a região e poderia estar vindo de qualquer lugar. Por causa do vento, minha voz não chegava até lá em cima. Foi desesperador. Ficaram me procurando até 22h, mas não me acharam. Acabei entendendo que tinham suspendido as buscas. Me abriguei entre umas pedras de 30, 40 centímentros de altura. Acabeu dormindo com a cabeça em um buraco, e as pernas, em outro.
Como foi a madrugada?
Às 8h da manhã, o sol conseguiu aparecer e esquentar alguma coisa. Estava muito gelado. Até esse momento, eu não conseguia me mexer. Fiquei entre 18h e 8h sem conseguir me mexer. Esse tempo todo fiquei tentando me abrigar do frio. Eu tinha cinco camadas de blusas por baixo de uma jaqueta de couro. Duas meias, duas calças. Isso ajudou de certa forma. Eu tinha muito medo de perder as mãos. Porque eu tinha assistido a um filme em que um personagem de uma expedição na Groelândia volta com o pé gangrenado e é obrigado a cortar o pé. Fiquei com muito medo de perder os pés e as mãos.
Você conseguiu dormir?
Tinha muito vento, e eu tentava dormir. Todas as vezes que eu dormia eu sonhava com alguma coisa: que estava em casa, tomando sopa, ou que eu estava fazendo comida, ou que minha mãe estava fazendo sopa pra mim. Eu estava com muita fome, muito sono. Toda vez que que eu cobria alguma parte do corpo, outra ficava descoberta. Era uma luta para me manter aquecida. Muitas coisas passaram pela minha cabeça: medo de que minha irmã falasse para a minha mãe que eu estava perdida. Eu tinha uma esperança misturada com certeza: sabia que eu estava viva, que não ia morrer, mas não sabia como ia ficar. Dormi com muito medo.
Como as equipes conseguiram encontrá-la?
Às 8h da manhã, saí dessa região, tentei voltar, subir a montanha, porque vi que os helicópteros estavam por ali. Mas era impossível, só conseguia escorregar. Tentei me agarrar com as unhas no gelo, nas pedras. Impossível. Comecei a descer e atravessar esse vale, quase um deserto formado por rios de lava. Depois, tinha uma floresta. Pensei: em algum momento vou achar civilização, dizer que sou uma sobrevivente. Lá pelas tantas, os rapazes do socorro alpino conseguiram me enxergar. Vi uma espécie de trilha sinalizada nas pedras, com setas feitas com spray em azul. Nesse momento, comecei a chorar e rir, e a ficar muito feliz, emocionada: "Agora vão me achar de alguma forma. Meu Deus, preciso sair daqui". Eu vi que havia alguém, pessoas no alto da montanha. Pensava: "Não deve ser alucinação". No momento que eu vi os rapazes, fiquei muito lúcida. Parei em alguns momentos, não tinha mais água, comi gelo, chupei duas laranjas que eu tinha.
Você estava machucada?
Eu estava bastante machucada nas mãos. Acabei ficando com muitas escoriações, com as mãos esfoladas. Esse solo é formado por pedras, características de uma erupção vulcânica. São pedrinhas negras porosas e cheias de pontas. E elas têm vários tamanhos, e vão deslizando umas sobre as outras, formando uma areia mais grossa. Essas pedras machucam muito. E você cai muitas vezes, porque é difícil de se manter de pé nesse solo. Muitas vezes me bati, queimei as mãos no gelo. Antes de dormir, à noite, minhas mãos estavam sangrando muito. Olhei para elas, e fiquei chocada.
Como foi o encontro com as equipes?
Chorei muito, não acreditava que aquilo estava acontecendo comigo. Eu estava louca para encontrar as pessoas: minha mãe, meu namorado, minha irmã, meus amigos que tinham ido comigo até ali. A essa hora, acho que todo mundo achava que eu tinha morrido. Não podia mandar nenhuma mensagem, sem celular, foi desesperador. Eram 11h da manhã quando eu fui encontrada. Foi um alívio gigantesco. Eu tinha passado uma noite horrível, e as pessoas da equipe foram extremamente gentis e humanas comigo. Foi um alívio gigantesco.
Você se arrepende de ter tentado subir?
Eu poderia ter me equipado melhor, subido com guia. É uma coisa que tenho vontade de fazer. De fazer a coisa do jeito certo, da melhor forma possível. No momento em que subi, não sabia se havia algum tipo de proibição ou até onde se poderia ir, porque acho que é um local extremamente difícil de fixar localização. Eu não sabia nada, simplesmente encontrei esse casal, vi que eles estavam bem equipados e achei que era seguro subir com eles. Não sei se arrependimento é uma palavra que cabe, porque a gente não consegue mudar as circunstâncias. Sinto vontade de conhecer a região de uma forma mais responsável.
Era sua primeira vez nesse tipo de região?
Eu tinha subido até ali em outra ocasião, mas não tinha neve. Eu não sabia como a neve se comporta nesse tipo de solo ou como uma região pode mudar completamente a partir do clima. A gente não sabe o que é neve. Fiquei muito emocionada de ver, logo que cheguei nessa região onde as pessoas normalmente sobem e vão até ali, na região do funicular, parecia uma estação de esqui. Tinha crianças brincando com trenó, todo mundo fazendo boneco de neve. Eu achei um cenário lindo. A gente não conhece isso, e é fascinante. Um vulcão e a neve.
Você é professora, né?
Nesse tempo em que fiquei ali, acho que foi um momento em que acabei negociando com a morte. Pensava: "Sei que a morte é inevitável, mas eu acho que esse não é o momento. Quero voltar, dar aula, tenho saudade dos meus alunos".