Como repórter, acompanho processos políticos em sociedades cindidas ao meio desde minha primeira cobertura internacional, há quase 20 anos.
Na Argentina de 2003, aprendi a expressão "más de lo mismo". Era a forma com a qual os eleitores referiam-se a Carlos Menem, o presidente que representava o populismo neoliberal dos anos 1990, e Néstor Kirchner, também populista, só que de esquerda, que chegaria ao poder naquele pleito. "Más de lo mismo" significa exatamente o que você deve estar pensando: "mais do mesmo", ou algo como "tanto faz", "que vença o menos pior". A semente da descrença na classe política, nos partidos e nas instituições, que vingaria no Brasil em 2013, já estava plantada ali, na Buenos Aires de 19 anos atrás.
"Más de lo mismo" foi uma expressão a qual me acostumei a ouvir em diferentes países, não apenas a cada retorno à Argentina, nas eleições seguintes.
Vi in loco a ascensão da América vermelha, com Hugo Chávez, na Venezuela, e Evo Morales, na Bolívia. E também testemunhei sua queda, com Manuel Zelaya, em Honduras, e Fernando Lugo, no Paraguai. No primeiro caso, em Tegucigalpa, observei a violência das marchas e contramarchas nas ruas de uma sociedade dividida entre quem apoiava o presidente deposto (Zelaya) e aqueles que defendiam o golpe (de Roberto Micheletti). No segundo caso, o impeachment, ou "golpe parlamentar", na visão dos apoiadores de Lugo, foi votado pelo parlamento tão rapidamente que, quando cheguei a Assunção, o presidente já havia sido afastado e um novo estava no lugar.
Na Venezuela, acompanhei a transmutação do "bolivarianismo" e do "socialismo do século 21" em tirania - e senti na pele suas garras, ao ser detido, por duas horas, em um quartel de Nicolás Maduro, em 2019, em frente ao Palácio de Miraflores, em Caracas.
Nos Estados Unidos, cujo sistema político favorece a polarização, ao praticamente impedir outros partidos de ingressarem no jogo eleitoral, vi os efeitos da divisão política e social nas eleições de 2008, 2012 e 2016.
Quando a disputa se limita a duas visões, a diversidade de ideias, agendas e propostas também é reduzida a apenas duas lentes - a do bem e a do mal. No caso brasileiro, a necessidade de personalizarmos quem está de qual lado, energiza a criação de mitos salvadores da pátria e justiceiros - a ponto de o próprio protagonismo do Judiciário ser personificado em um só homem.
A polarização empobrece o diálogo político e a própria democracia. Todos esses países que citei vivenciaram isso, inclusive os Estados Unidos, a mais consolidada democracia da região.
Como consolo, vale dizer que este não é um fenômeno novo nem apenas do continente americano - países da Europa enfrentam os mesmos desafios. É sintoma do nosso tempo.
Por aqui, infelizmente, ele não acabará com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva ou Jair Bolsonaro neste domingo (30). Como não acabou na América Latina, nos Estados Unidos ou no Velho Continente.
Lula e Bolsonaro são "insanamente falhos", como dissera o The New York Times. Mas, para ficarmos com a expressão que aprendi com os hermanos, não são "lo más de lo mismo".
Há duas visões de Brasil e de mundo em jogo agora. Que escolhamos a menos pior. Como sabemos que a nação que começará o domingo rachada ao meio e assim continuará sendo ao sair dele, que ao menos se preserve o respeito ao resultado das urnas. É mínimo possível para virarmos a página decisiva da intolerância que domina o país.