Em mais de 20 anos de coberturas internacionais, algumas delas visitas de ministros e presidentes a outros países, aprendi que, dificilmente, a presença de um chefe de Estado brasileiro no Exterior versa, para a imprensa - e para o próprio -, sobre o fato que motivou a viagem.
Assim, não era de se esperar que o presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro, no funeral em Londres, falasse sobre a importância histórica da rainha Elizabeth ou os desafios do novo rei, Charles III, no contexto global turbulento do século 21. Por força do hábito, também não seria de se esperar que a imprensa brasileira perguntasse a ele sobre esses temas.
A presença do presidente no Exterior - seja Bolsonaro ou qualquer outro - é sempre um assunto doméstico. Infelizmente, porque, na minha visão, haveria muito a se debater sobre política externa, contexto global e o papel brasileiro nessas situações.
Mas os jornalistas buscam manchetes que impactam a aldeia. E, por sua vez, o presidente, busca reforçar - ou construir, em alguns casos - uma imagem como líder nacional diante da aldeia global. De preferência, uma boa imagem.
Assim como a morte da rainha Elizabeth II não mudará a História, a viagem de um presidente ou o que diz no funeral - ou na ONU nesta terça-feira (20) -, não rendem votos. Esses eventos, no entanto, ajudam a projetar a imagem simbólica do político na mente de seus eleitores.
A duas semanas da eleição brasileira, a visita de Bolsonaro a Londres e seu discurso na Assembleia-Geral da ONU, nesta terça-feira (20) têm muito mais a função de reforçar no imaginário da população - em especial de seus aliados - a imagem de um mandatário forte, ao lado de príncipes e poderosos, respeitado por líderes internacionais.
Em visitas anteriores, como aos países árabes, em novembro de 2021, Bolsonaro almejava angariar a imagem de um líder mercador, em busca de investimentos externos. Nessa, em Londres, bastava-lhe apenas aparecer ao lado, em fotos, do rei Charles III - ainda que sorrindo, ao prestar condolências ao filho que perdeu sua mãe.
Luiz Inácio Lula da Silva também não viaja ao Exterior em busca de contatos. Vai em busca de imagem: em seu caso, ao aparecer, também em novembro, ao lado de líderes europeus em Alemanha, Bélgica, Espanha e França, desejava aparecer como o postulante a estadista, capaz de dialogar com todos, como um político bem relacionado com a comunidade internacional.
A verdade, no entanto, é que, para inglês ver, ou melhor, para a comunidade internacional, a lente é mais crítica - em geral, distante dos rótulos domésticos. No Reino Unido, Bolsonaro foi colocado sob títulos de reportagens ao lado do príncipe Mohammed bin Salman, da Arábia Saudita, acusado do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi: "homens fortes e populistas" que foram ao funeral, como disseram The Sun e Times. No caso de Lula, foram feitas analogias à "reconstrução de pontes" com pares milimetricamente escolhidos para as fotografias - a centro-esquerda europeia, que, diga-se de passagem, está na descendente em vários países do continente.