De um ano para cá, Boris Johnson era um sobrevivente político. Resistira, por vezes cambaleante, a vários escândalos: a acusações por seu negacionismo inicial em relação à covid-19, às denúncias de obras com financiamento suspeito e ao descalabro das festinhas em seu gabinete enquanto o país estava sob lockdown. Mas caiu, por fim, devido à nomeação do deputado Chris Pincher, acusado de abuso sexual, como uma espécie de vice-líder do governo.
Mas sua renúncia, um mês depois de sobreviver a uma moção de desconfiança do próprio Partido Conservador, ocorre menos pelo último escândalo e mais pelo "conjunto da obra". Diante de cada escândalo, Johnson, que já foi extremamente popular ao liderar o Brexit, tergiversava: por vezes dizia que "não sabia", depois admitia que "talvez" e, por fim, admitia em parte culpa. Nas horas que antecederam sua renúncia, esperada desde a quarta-feira (6), um editor da BBC disse que essa era, acima de tudo, uma questão de verdade. E verdade importa muito aos britânicos.
Johnson faltou com ela em vários momentos ao longo de sua gestão de três anos.
Sua situação ficou insustentável depois que ele começou a sofrer uma debandada do governo. Mais de 40 funcionários do gabinete renunciaram, entre eles os poderosos secretários Rishi Sunak, das Finanças, e Sajid Javiv, da Saúde. Mas nem os novos membros do gabinete o apoiavam. Nadhim Zahawi, sucessor de Sunak, escreveu no Twitter nas últimas horas: "Primeiro-ministro: isso não é sustentável e só vai piorar para você, para o Partido Conservador e o mais importante de tudo, para o país. Você deve fazer a coisa certa e ir agora".
Johnson, mestre em ignorar escândalos, começou a se tornar uma ameaça ao próprio partido. E sua capacidade de governar, em meio a uma Europa em guerra, saindo da crise da covid-19 e enfrentando crescentes tensões econômicas e sociais, passou a ser questionada.
Sua queda, a despeito da fala de quarta-feira (6) no parlamento, em que insistia que não renunciaria, começou a se concretizar quando um grupo de ministros foi até a residência de número 10, em Downing Street, sede do governo, implorar que ele desistisse.
Sob pressão, abandonado pelos próprios colegas de partido e funcionários, Johnson, o herói do Brexit, deixa o governo após 1079 dias no poder.