Nós, jornalistas, nos acostumamos a identificar na negação de rumores por parte de um entrevistado indícios de que, no fundo, pode haver alguma verdade naquilo que está sendo supostamente desmentido. Explico: quando alguém diz que não está pensando em algum assunto, em geral, é porque está, sim, fazendo isso.
Por isso, ao desmentir que esteja pensando em renunciar, em entrevista à agência Reuters, no final de semana, o papa Francisco acaba alimentando ainda mais os boatos.
A verdade é que, desde que Bento XVI tomou a decisão de se aposentar, em 2013, a porta da renúncia de um papa sempre esteve aberta. Aquela foi a primeira decisão do tipo em 700 anos de história. Depois de Bento, hoje com 95 anos, a renúncia do herdeiro do trono de São Pedro, de certa forma, deixou de ser um tabu e, aos poucos, adquire tons de certa normalidade.
O próprio Francisco, que completará 87 anos em 17 de dezembro, já falou sobre essa possibilidade em ocasiões anteriores. Desta vez, em entrevista a Phil Pullella, repetiu.
- Não sabemos (quando e se ocorrerá). Deus dirá.
Mas o que levanta os rumores sobre a possível saída de cena de Francisco?
1) O Papa precisou cancelar a viagem que faria à República Democrática do Congo e ao Sudão do Sul, na África.
2) Ele não compareceu a um encontro com uma delegação de 11 organizações judaicas, que ocorreria no Vaticano.
3) Ele irá a L'Aquila, a cem quilômetros de Roma, em agosto, visitar o túmulo de Celestino V, papa que renunciou em 1294, o último antes de Bento XVI. Por que viajar a um local assim, simbólico, em meio ao consistório, o importante encontro de bispos que estará ocorrendo no Vaticano?
4) O próprio consistório. No encontro, o mais importante antes de um concílio, Francisco irá nomear 21 novos cardeais - 16 deles com direito de votar e de ser votado em um futuro conclave (os que têm menos de 80 anos). Poderia estar planejando a sucessão?
Tudo não passa, para Francisco, de "coincidências".
Quando o Pontífice foi operado, em 4 de julho do ano passado, surgiram rumores de que ele estaria com câncer. Os médicos retiraram 33 centímetros de seu intestino grosso devido a uma estenose diverticular. Na ocasião, o Papa sofreu bastante com os efeitos colaterais da anestesia. Esse seria o motivo de Francisco resistir tanto às orientações médicas para que realizasse uma cirurgia em seu joelho direito, ponto que mais lhe aflige no momento.
- Antes que me operem, renuncio - chegou a dizer, em tom de brincadeira.
Por enquanto, o tratamento tem sido feito a base de infiltrações e massagem. Mas a recomendação dos médicos é de que a cirurgia seja feita para a implantação de uma prótese. Francisco também tem dores na bacia.
Durante a entrevista à Reuters, ele chegou ao local, na Casa Santa Marta, no Vaticano, usando uma bengala e disse que sofreu uma pequena fratura ao dar um passo falso, enquanto seu joelho ainda estava inflamado.
O que não é coincidência é que Francisco, ao dar posse aos novos cardeais, durante o consistório de agosto, estará ditando os rumos da sucessão. Com os novos príncipes da Igreja, ele aumenta as chances de que um "bergogliano" seja eleito - ou que votem em alguém que siga sua linha reformista - no futuro concílio. Em outras palavras, Mario Bergoglio, como fizera João Paulo II, está desenhando o Colégio Cardinalício a sua imagem e semelhança. Isso é fundamental para a continuidade das reformas empreendidas nos últimos nove anos (ele completará uma década de pontificado em 13 de março de 2023). Em parte, o Pontífice anula aos poucos a briga de grupos políticos internos e os escândalos na Cúria Romana que levaram à renúncia de Bento XVI.
A aposentadoria não é tabu para o atual Papa. E se a saúde o impossibilitar de exercer o comando da Igreja, com a sabedoria que lhe é característica, ele o fará. Francisco não é prisioneiro do trono de São Pedro.