Sempre que conto, em palestras a estudantes de Jornalismo, sobre as coberturas da morte do papa João Paulo II e o conclave, em 2005, e a renúncia de Bento XVI, em 2013, que fiz pela RBS, costumo abrir um parênteses. É que, na principal reportagem, no dia em que o cardeal Joseph Ratzinger se torna Bento XVI, em 19 de abril de 2005, encerro o texto da TV com a seguinte frase:
- O novo Papa não é gaúcho, mas, se depender da receptividade dos amigos do Sul, em breve, ele visitará o Rio Grande.
O ponto é, por que, afinal, o novo papa não é gaúcho.
Àquela altura, como hoje, havia mais de cem cardeais passíveis de serem eleitos papas (atualmente, são 116 dos 208, com menos de 80 anos, idade máxima para ser ungido). A diferença é que, naquele distante 2005, um gaúcho, o cardeal dom Cláudio Hummes, de Salvador do Sul (quando ainda era território de Montenegro), despontava, nas bancas de apostas, como um dos prováveis eleitos. Mais do que na boca dos fiéis, nos bastidores da Santa Sé, muitos falavam em seu nome.
Ratzinger, o todo-poderoso prefeito para a Congregação para a Doutrina da Fé, era o favoritíssimo. A seu lado, apareciam, claro, os italianos. Aquele seria um conclave que desmentiria o ditado: "Quem entra papa sai cardeal". Ratzinger entrou no conclave papa e saiu Papa.
Dom Cláudio era um dos mais respeitados cardeais dentro e fora dos muros do Vaticano. Tanto que, diante da renúncia de Bento XVI, a primeira em 700 anos de história da Igreja, ele era lembrado, de novo, como sucessor. Na hora em que a fumaça branca saiu no alto da Capela Sistina, em 2013, dom Cláudio não fora o escolhido. Mas estava, minutos depois, ao lado do argentino Mario Bergoglio, convertido em papa Francisco, no balcão da Basílica de São Pedro.
Como um dos mais influentes cardeais, também ajudou na escolha do nome adotado pelo colega e amigo. Bergoglio, inspirado por Hummes, um franciscano, adotou o nome Francisco. Em entrevista a ZH, em 2014, diante do tamanho de sua influência na Santa Sé, ele afirmou:
- Apenas sou amigo do Papa. E já basta.
A despeito da humildade que lhe era característica, dom Cláudio era mais do que amigo dos papas. Tinha muito poder intramuros. Era um dos principais conselheiros do líder máximo da Igreja Católica. Ao jornal La Stampa, contou:
"Os votos convergiam para ele (Bergoglio). Ele estava muito introspectivo, silencioso. Quando as coisas começaram a ficar um pouco perigosas para ele, eu o confortei. Depois, houve o voto definitivo e começou um grande aplauso. Eu logo o abracei e beijei. E lhe disse aquela frase: 'Não se esqueça dos pobres'. Eu não tinha preparado nada, mas naquele momento me veio do coração, com força, dizer-lhe isso.
Em 1980, durante sua visita ao Rio Grande do Sul, o papa João Paulo II ouviu em Porto Alegre o grito: "Ucho, ucho, ucho, o papa é gaúcho". Anos depois, em Roma, ele sempre repetia essa frase a padres e bispos do Estado que o visitavam.
O Rio Grande do Sul já deu grandes cardeais à Igreja: dom Aloísio Lorscheider e dom Ivo Lorscheiter, além do inesquecível dom Vicente Scherer, mas, no século 21, foi dom Cláudio Hummes que mais aproximou o Estado da profecia de João Paulo II. Ele nos deixou mais perto da cátedra de São Pedro.