Os depoimentos feitos até agora à comissão da Câmara dos Deputados que investiga o ataque ao Capitólio dos Estados Unidos, em 6 de janeiro, dão indícios preocupantes sobre a participação do então presidente Donald Trump na maior ofensiva contra a mais tradicional democracia do planeta. Nem tudo é possível de ser reconstruído sobre os passos do comandante-em-chefe da nação naquele dia, porque dos 187 minutos de ataque à sede do parlamento, estranhamente não há registros oficiais da Casa Branca dos telefonemas de Trump, enquanto seus apoiadores estavam dentro do parlamento, quebrando quadros e estátuas e ameaçando de morte parlamentares.
Lembremos: após a vitória de Joe Biden, nas eleições de novembro, a sessão das duas câmaras do Congresso americano, em 6 de janeiro, era apenas uma formalidade, a ocasião em que o vice-presidente Mike Pence, na condição de presidente do Senado, apenas ratificaria o resultado das urnas. Mas Trump transformou um ato burocrático em seu último cavalo de batalha de sua guerra em busca de minar o processo eleitoral.
Nos dias que antecederam a sessão, Trump insistiu que Pence não ratificasse o resultado da eleição, alegando fraudes. Naquele 6 de janeiro, às 11h20min, ainda conversou com seu vice-presidente dizendo que "fizesse a coisa certa". Na sequência, o presidente participou de um comício em frente à Casa Branca cujo lema era "Stop the Steal" ("Parem o roubo"). Ele discursou por mais de uma hora.
Às 13h, terminado o comício, alguns seguidores de Trump rumaram para o Capitólio. O presidente, que voltaria para a Casa Branca, estava entusiasmado com a plateia. Queria ir também. A essa altura, uma multidão já estava na frente do parlamento e ameaçava invadi-lo. O serviço secreto, responsável pela segurança do presidente, o desautorizou a rumar para o prédio. Na limusine presidencial blindada, segundo o depoimento de Cassidy Hutchinson, ex-assessora do chefe de Gabinete Mark Meadows, Trump teria dito:
- Sou a porra do presidente, me leva para o Capitólio agora.
Em seguida, teria tentado tomar o volante. Os auxiliares o contiveram. E a comitiva voltou para a Casa Branca. Conforme o depoimento de outra ex-assessora, Stephanie Grisham, então secretária de Imprensa, Trump passou o resto da tarde assistindo à ação pela TV. E chegou a aplaudir quando os manifestantes, já dentro do Congresso, gritavam "Enforquem Mike Pence".
- Talvez nossos apoiadores tenham a ideia certa - afirmou, conforme a republicana Liz Cheney, republicana, do mesmo partido de Trump.
Às 14h24min, o presidente tuitou: "Mike Pence não teve coragem de fazer o que deveria ter sido feito para proteger nosso país e nossa Constituição".
Os ataques seguiam, e Pence e seus familiares ainda corriam perigo.
Cassidy testemunhou que, em certo momento, o advogado da Casa Branca, Pat Cipollone, agarrou o chefe dela, Meadows, e foi até a sala onde Trump estava para tentar convencê-lo a parar com aquilo. Só às 16h17min, o presidente divulgou um vídeo de 60 segundos no qual conclamou os invasores a irem para casa. Assessores teriam o alertado de que poderia ser acionada da 25ª emenda por seu gabinete e que ele poderia sofrer impeachment. Trump gravou o vídeo, mas prestou solidariedade:
- Tivemos uma eleição que foi roubada de nós. Nós ganhamos de lavada e todo mundo sabe disso, especialmente o outro lado. Sei como se sentem, mas vão para casa agora - afirmou.
Há dois fatos graves com relação ao que vem sendo divulgado na comissão: primeiro, os depoentes têm recebido intimidações travestidas de elogios e bajulações dias antes de seus testemunhos, conforme Cheney. Inclusive com ofertas de cargos. Segundo, a base de Trump permanece intacta. Isso é assustador porque ou seus apoiadores acreditam que as denúncias de ataque ao parlamento são irrelevantes ou entendem que ele ganhou mesmo a eleição - e o processo eleitoral foi fraudado, o que é mentira. Pior: alguns acreditam que invadir o Capitólio foi a coisa certa a fazer. 2024 vem aí, o Partido Republicano segue refém do trumpismo, e ele, Trump, tem reais chances de vencer.