Há um impacto prático e outro simbólico, caso se confirme a ameaça da Rússia de deixar, ao final de 2024, a Estação Espacial Internacional (EEI). O anúncio foi feito nesta terça-feira (26) pelo novo chefe da Roscosmos, Yuri Borissov. A Nasa, agência espacial americana, diz que não recebeu oficialmente comunicado nesse sentido.
Vamos ao primeiro impacto da notícia: a EEI é operada por 15 países. A estrutura, cujo tamanho é equivalente ao de um campo de futebol, é uma espécie de condomínio, cujos síndicos são Estados Unidos e Rússia. Grosso modo, os dois países operam as duas partes principais do complexo - e são interdependentes. O lado americano garante energia elétrica por meio dos painéis solares para toda a estação. Já os russos garantem que, periodicamente, o complexo seja reposicionado, por meio de propulsores de espaçonaves. Sem a Rússia, os americanos e os demais parceiros ocidentais terão de bancar, por conta própria, a operação. Em junho, uma nave Cygnus da americana Northrop Grumman que estava conectada à estação realizou uma manobra de impulso operacional pela primeira vez, em uma espécie de teste. A parte pessoal é mais fácil: desde que a EEI entrou em operação, as tripulações também sempre foram integradas por russos. Uma mudança nesse sentido significaria, claro, que o cosmonauta russo deixaria de integrá-las. E tudo isso significa mais gastos para os 14 países que ficarem - e os EUA como majoritários, digamos assim.
Os impactos simbólicos são os mais prolongados. A história da EEI é de sucesso e um exemplo da cooperação internacional após um mundo bipolar da Guerra Fria. Não é incomum os astronautas e especialistas que trabalham no projeto se orgulharem de que a estrutura, no espaço, está acima (literalmente e metaforicamente) das rivalidades geopolíticas aqui debaixo. As ameaças russas não são novidade - em 2014, após a ocupação da Crimeia e com a imposição de sanções econômicas pelo Ocidente, o Kremlin chegou a dizer que os americanos usassem trampolins se quisessem chegar à estação. Mas, mesmo em momentos críticos, o espírito de cooperação prevaleceu.
Outra questão diz respeito ao fato que pesquisas espaciais enquadram-se no que especialistas costumam chamar de tecnologias dual use (dupla utilização), que pode servir para a paz ou para a guerra - como a internet, o GPS e outras tecnologias que usamos com fins civis, mas que nasceram a partir de pesquisas militares.
Sabe-se apenas que a Rússia planejava, antes da guerra, concluir o projeto de sua própria estação, chamada Ross, até o final de 2023. O país prevê que os primeiros módulos começariam a montados no espaço em 2025. Mas não se sabe qual o impacto das sanções econômicas na indústria espacial russa e o quanto isso pode estar por trás da decisão.