Nos primeiros dias da guerra na Ucrânia, havia a sensação de que estava em curso uma operação em larga escala para mudança de governo, uma versão russa de "Choque e Pavor" misturada à "decapitação de regime". As principais metrópoles ucranianas foram bombardeadas, enquanto tropas de Vladimir Putin avançavam por terra, pelo Norte (Belarus), pelo Sul (Crimeia anexada) e pelo Leste (a partir da própria Rússia). Em três dias, os soldados russos, acompanhados de um monstruoso comboio de blindados, estavam às portas de Kiev.
Mas os problemas não tardaram a aparecer: gargalos logísticos no campo de batalha e erros táticos, aliados à resistência acima do esperado (com nacionais e estrangeiros) e o intenso fluxo de apoio bélico de países da Otan adiaram a tomada de Kiev pela Rússia. Houve choque e pavor, mas não decapitação de regime. E não se ganha uma guerra sem a conquista da capital.
Passados cinco meses de conflito, o mapa da Ucrânia está crivado por um grande "V", deitado na horizontal, sinalizando as áreas dominadas pelos russos: basicamente, o Nordeste, partes do Leste e a totalidade do Sul. A Rússia recuou dos arredores de Kiev para cerrar fogo nas províncias separatistas de Donetsk e Luhansk, palcos das piores batalhas terrestres até agora, entre elas a luta por Severodonestk.
O foco desse sexto mês de guerra será Donetsk, onde as forças armadas russas têm praticado a tática que melhor conhece: terra arrasada, varrendo cidades como Avdiivka, Kramatorsk e Bakhmut. Por seu lado, a Ucrânia reagrupa tropas para tentar recuperar Kherson, o que, a se confirmar, seria uma vitória simbólica (foi a primeira grande cidade a cair nas mãos dos russos) e estratégica (está localizada no Sul, entre Odessa e Mariupol, próximo à península da Crimeia).
No front diplomático, o mundo parece ter atingido um estágio de normalização da guerra, o que é ruim para o governo de Volodimir Zelensky, que é suportado não apenas por dinheiro e armas do Ocidente, mas pela indignação da comunidade internacional - os pronunciamentos do presidente ucraniano em diferentes fóruns retroalimentavam esse sentimento, que aos poucos se esvai. Com o tempo, o conflito entra, no campo midiático, em uma inércia. E a própria Europa está cansada de guerra. As quedas de dois dos governos mais vocais contra a Rússia (dos primeiros-ministros britânico, Boris Johnson, e italiano, Mario Draghi) foram colocadas pelo Kremlin na conta do desgaste devido à guerra. Contribuiu, mas não foi determinante. Ao contrário da questão do gás: esse sim fundamental para o futuro da crise. Finalmente, a questão energética começa a aparecer como arma tática na guerra à medida em que a Rússia fecha, aos poucos, as torneiras do Nord Stream 1.