Desde a invasão da Ucrânia, a Alemanha reduziu o consumo de gás russo de 55% para 35%, intensificando a queima de carvão mineral para preencher os armazenamentos para o inverno que se aproxima. A decisão de queimar o mineral é contrária ao plano alemão de extinguir a utilização de carvão como gerador energia, mas o governo, integrado pelos Verdes, entende que essa prática será realizada por um "período de transição".
Áustria e Holanda também anunciaram que irão aumentar o uso de usinas de carvão. O uso de carvão, mesmo que temporário, aumentou a preocupação do comando da União Europeia (UE) de que os países possam usar a crise para atrasar a mudança de matriz energética para alternativas menos poluentes. Em entrevista à coluna, o presidente da Associação Brasileira de Carvão Mineral (ABCM), Fernando Zancan, avalia o cenário.
Que oportunidades o senhor vê para o setor?
A guerra da Ucrânia leva a uma reflexão sobre a segurança energética. A Europa depende hoje de 39% do gás da Rússia, 27% de petróleo e 46% de carvão. O gás serve para aquecimento e geração térmica e é muito difícil de trocar, porque vem em gasodutos, a Europa não tem muitos terminais de GNL (gás natural liquefeito). Havia um programa de desativação de usinas termelétricas, e agora voltaram a usar carvão, porque o preço do gás cresceu uma barbaridade. Holanda e França, que estavam com usinas desativadas, voltaram a operá-las, Reino Unido e Alemanha também. A Europa como um todo foi afetada e está de joelhos ao “general energia” da Rússia. A gente entende que isso é exemplo de como temos de trabalhar a questão da segurança energética. O Rio Grande do Sul, por exemplo, importa energia e tem um pré-sal de carvão. Por que não usar o seu carvão como fonte de segurança energética?
No momento em que se fala muito em economia verde na Europa, não é um retrocesso?
Descarbonizar não é acabar com o combustível fóssil. É acabar com a emissão do combustível fóssil. É capturar CO2. E existem tecnologias para isso. A Europa não foi por essa rota. Como dependia de importar fóssil, ela resolveu ir para energias renováveis. Mas você não vai virar a chave de uma hora para outra. Você precisa investir nas tecnologias de baixo carbono. E por isso os projetos de captura de CO2 cresceram vertiginosamente nos últimos dois anos. São mais de 160 projetos em desenvolvimento no planeta. Entendemos, e o Brasil é signatário do compromisso de carvão zero em 2050, que a gente tem de desenvolver essa tecnologia. Já estamos trabalhando com isso. Em Santa Catarina, temos uma planta piloto que o setor coordena, apoia e administra. Os EUA estão investindo muito em projetos de pesquisa e desenvolvimento de CO2, porque se entende que vai continuar com fóssil e o fóssil vai se descarbonizar, tem de ser carvão zero.
O senhor deu uma entrevista ao Poder 360º na qual disse que a China consome em um dia o que produzimos em um ano.
Exatamente. A gente produz aqui 10 milhões de toneladas. A China produz 5 bilhões de toneladas. Se você olhar Putin, ele estava prevendo ser o maior exportador de carvão em 2035. Por que onde está o mercado hoje, para onde vai crescer: na Ásia. Tem uma pobreza energética, vai cresce carvão sendo usado no cimento, aço, indústria química e de energia elétrica. Quando a gente olha o carvão, todos os movimentos de China e Índia, países que têm dependa enorme e crescente, e Sudeste Asiático. carvão deve crescer e continua muito forte na Ásia. e na Europa é um movimento de acomodação. A Europa não deve continuar com carvão, a não ser os países do Leste Europeu.
A produção brasileira é insuficiente. Importamos de que países?
Na área de carvão metalúrgico, nós importamos 100%, que vem de países como Austrália, Canadá, EUA e África do Sul. Na área de carvão termoelétrico, temos usinas no Ceará e Maranhão de carvão importado da colômbia. E temos 1.572 megawatts no Sul, que se usa o carvão nacional, aliás, carvão nacional de Candiota, são as térmicas mais baratas que o Brasil tem. Geramos energia a R$ 70 a R$ 90 megawatt/hora, enquanto chegamos a importar do Uruguai R$ 2 mil megawatt/h. Vejam o quanto é barata a operação de geração térmica a carvão no Brasil. E em moeda nacional, sem problemas de choque de commodities internacional e de choque de dólar.
Mas dentro da matriz energética é pequeno o percentual.
Sim, são 3 giga watts dentro de uma matriz de 170 giga watts no Brasil. Mas é importante o complexo Jorge Lacerda, em Santa Catarina, ele operando a pleno, durante um ano, ele segura 5% dos reservatórios do Sudeste. Na crise hídrica, agora a gente operou a pleno as térmicas de Candiota, de Santa Catarina e Paraná, reduzimos a tarifa em 2021 em 1,27% do consumidor brasileiro por conta dessa operação das usinas a carvão.
Como é, na prática, o projeto de descarbonização?
Na chaminé de uma térmica, 12% dos gases que saem são de CO2. Você tem de capturar esses 12%. Como se faz isso: com metodologia de reação química, as aminas, ou por processo físico. O que estamos usando em Santa Catarina é físico. Você pega zeólitas, que são um mineral, e elas se ligam ao CO2. Há um momento em que você dá um choque térmico e separa o CO2 concentrado de um lado, e os gases, de outro. Imagine uma grande esponja: você joga para cima, em um reator, e o gás passa por essa esponja. O CO2 fica lá dentro, a esponja desce. Você dá um choque térmico, o CO2 sai, e você o captura. Depois de capturá-lo, você precisa dar um destino para esse CO2. Em alguns casos, você pode usá-lo puro, em refrigerantes gasosos, por exemplo. Mas grande quantidade de CO2 é reinjetado de volta para as profundezas da Terra, a mil metros, em aquíferos salinos profundos, por exemplo.