Vladmir Putin tem em suas mãos a mais poderosa das bombas geopolíticas e pode lançá-la sobre a Europa nesta quinta-feira (21). Eu explico: o gasoduto Nord Stream 1, que transporta gás da Rússia para a Alemanha, foi fechado no dia 11 para manutenção anual programada. Conforme o planejamento, deve retomar seu fluxo normal na quinta-feira (21), mas reabrir as torneiras do gás que corre pela gigantesca estrutura que liga o Alasca ao Velho Continente depende dos humores do presidente russo. Em outras palavras, a Europa está, momentaneamente, nas mãos de Putin.
Se ele estender o fechamento do gasoduto, possivelmente por tempo indeterminado, estará lançando a mãe de todas as bombas sobre o Ocidente, privando a Alemanha, maior potência econômica da União Europeia (UE), do recurso básico para fazer mover suas fábricas e as dos vizinhos.
Putin tem a faca e o queijo na mão para retaliar o Ocidente pelas sanções econômicas impostas por conta da invasão da Ucrânia. E, se não quiser comprar uma briga ainda maior do que a que se desenrola no front, tem a chance de, ao menos, barganhar.
Desde o início da guerra na Ucrânia, a Rússia já interrompeu o fornecimento de gás para França, Polônia, Bulgária, Finlândia, Dinamarca e Holanda e reduziu suprimentos para Alemanha e Itália. O argumento do Kremlin é de que as empresas europeias não estão cumprindo com a nova exigência de pagar pelo produto em rublo, a moeda russa. Mas isso é balela: o real motivo são as sanções econômicas impostas pelo Ocidente.
Nord Stream 2, o novo gasoduto que corre por debaixo do Mar Báltico, já virou história - e não há mais prazo para ser inaugurado. O fechamento das torneiras do Nord Stream 1, a se confirmar, faria a Alemanha declarar estado de emergência. Além de receber o produto, o país serve como hub de distribuição do gás para outras nações do bloco econômico. Ou seja, se for interrompido ali, para também grande parte do continente.
O gás russo é responsável por 55% do abastecimento na Alemanha e é essencial para a produção de veículos, aço e plástico. E 40% e todo o gás importado da UE vem da Rússia.
Parte da ameaça já foi feita em 14 de julho, quando a Gazprom, maior empresa de energia da Rússia, informou aos clientes na Europa que não tem condições de garantir o fornecimento do produto devido a "circunstâncias extraordinárias". Esse argumento equipara-se ao da "segurança nacional" alegado por governos diante de situações extremas, em que "tudo pode" - da falta de transparência ao uso de forças armadas. No caso do gás, a alegação de "motivos de força maior" permite que uma das partes descumpra obrigações legais, previstas em contratos comerciais.
Putin soube muito bem explorar as fragilidades da Europa para chegar até aqui - cumpra-se ou não a ameaça. Após a crise econômica da década de 1990, seu governo transformou o gás em instrumento de projeção de poder sobre o continente, que consome dois terços de todo o produto exportado pela Rússia. Com a centralização, renacionalização de uma parcela importante da produção e distribuição do gás e do petróleo, submetendo o capital privado aos interesses da estratégia do Estado, por meio das empresas Gazprom, Rosne, Transepto e Gazorpomexport, Putin conseguiu reerguer a Rússia do abismo e a reposicionou como grande potência europeia. O início disso tudo foi em 2003, quando houve a estatização da empresa petroleira Yukos, seguida do bom momento dos preços internacionais do petróleo e gás.
Caso os russos cortem todo o fornecimento de gás, o bloco ainda pode sobreviver no inverno que se aproxima, mas não será de forma fácil nem barata. Putin soube, de forma inteligente, há quase 20 anos, amarrar a Europa a suas ambições.