Se nas guerras contemporâneas os instrumentos econômicos são tão importantes quanto as armas, pode-se dizer que a Rússia disparou a mãe de todas as bombas contra o Ocidente, ao cortar ontem o fornecimento de gás para Polônia e Bulgária. Não era blefe. O governo Vladimir Putin cumpriu a ameaça e concretizou a mais dura resposta até agora às sanções econômicas de que seu governo é alvo desde o início da invasão da Ucrânia.
Relembrando: grande parte da Europa é dependente do gás natural russo para mover suas empresas e aquecer seus lares. O produto russo, mais barato do que o de outros fornecedores, abastece 45% da União Europeia (UE). Outros exportadores são Noruega (23%), Argélia (12%), Estados Unidos (6%) e Catar (5%). Maior economia do bloco, a Alemanha depende fortemente do gás russo e, até o conflito, apostava na parceria com Moscou - demais, para o gosto dos americanos, por exemplo. Além de contar com o Nord Stream 1, o gigantesco gasoduto que liga a Rússia diretamente ao país, pelas águas geladas do Báltico, pretendia inaugurar o Nord Stream 2, que agora está paralisado. Alguns economistas consideram que a interrupção total de gás e petróleo por parte da Rússia jogaria o continente na recessão.
Putin vinha ameaçando usar o gás como instrumento de guerra desde o início do conflito. Mas dobrou a aposta depois que o Ocidente congelou ativos russos e praticamente cortou a Rússia do sistema econômico mundial. Deu um ultimato, exigindo que os países importadores pagassem em rublos, a moeda russa, pelo produto. Ninguém o fez. E, então, veio o corte.
Ao suspender o fornecimento de Polônia e Bulgária, por enquanto, o Kremlin, por meio da Gazprom, a estatal de energia, testa a reação do resto da Europa para ver até onde avançar. Não atinge uma Alemanha, cujos custos para a própria economia russa seriam maiores, mas, ao mesmo tempo, manda um recado político. A Polônia tem sido um dos mais fortes opositores da guerra na Ucrânia - é por ali que entra a ajuda humanitária, mas também as armas do Ocidente que estão sustentando a resistência de Volodimir Zelensky. Já o governo búlgaro, que normalmente é próximo da Rússia, também tem adotado tom crítico à invasão. Como ambas são nações que outrora pertenciam à esfera de influência da antiga URSS, há, no fundo, um gosto de vingança para Putin, diante do que vê como traição histórica suas adesões à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Os países irão se virar. A Polônia diz que não precisará recorrer a outros fornecedores por enquanto porque seus estoques estão em 75% de ocupação. A Bulgária pretende importar gás de Turquia e Grécia. A própria UE diz que está preparada para um cenário de suprimentos alternativos. O sinal já havia sido dado antes do início do conflito, quando, no ano passado, a Rússia decidiu reduzir as vendas em contratos que não fossem de longo prazo, o que motivou, em parte, falta de energia no inverno. A médio prazo, o gesto traz ainda mais urgência aos planos do bloco de reduzir a dependência energética da Rússia. O corte no fornecimento diz mais sobre o futuro do que sobre o presente.