Uma das máximas da política internacional diz que é fácil começar uma guerra. O difícil é terminá-la. Ao se completarem três meses do conflito na Ucrânia, a expressão parece se encaixar perfeitamente ao cenário atual. Mas muito do que ocorreu nesses três meses de conflito ajudam a compreender o que virá na guerra.
A maioria dos analistas esperava uma guerra rápida, a invasão e ocupação fulminantes da Ucrânia ou, no mínimo, da região do Donbass, o leste do país onde ficam localizadas as províncias separatistas de Donetsk e Luhanks. Não deu certo.
A Rússia passou de uma tentativa de invasão completa do país para, pelo menos, a tomada da capital, Kiev. Algo que também não ocorreu graças à resistência acima do esperado por parte dos ucranianos, auxiliados por combatentes estrangeiros e muito dinheiro e armas do Ocidente. Então, de um mês para cá, o objetivo do Kremlin passou a ser a conquista parcial de território, nacos de terra do Donbass.
Em 90 dias de conflito, os russos só conseguiram uma grande vitória - Mariupol. E não foi fácil. Os ucranianos não entregaram sua importante cidade portuária, no Mar de Azov, facilmente. Mesmo depois que o presidente Vladimir Putin anunciou a conquista da cidade, alguns poucos, mas corajosos soldados permaneceram entrincheirados em um antigo depósito da cidade, só se rendendo após ordem do governo de Volodimir Zelensky por questões humanitárias, na semana passada.
Após a ocupação de Mariupol, o foco de Putin agora é outro: Severodonetsk, uma das últimas grandes cidades, com cerca de 100 mil habitantes antes da guerra, ainda sob controle ucraniano em Donetsk. Com Lyssychansk, elas estão localizadas quase na fronteira entre o Donbass e o restante do território ucraniano, podendo-se imaginar que, no futuro, estabeleceriam o limite de uma região autônoma - ou russa, como se tornou a Crimeia, ainda que não reconhecida.
Putin precisa de uma vitória. Qualquer uma. E, no desespero, tem se ocupado de utilizar da tática de terra arrasada que conhece bem. Isso significa fogo aéreo cerrado sobre as cidades para subjugar militares e civis. Afinal, se a guerra urbana é o inferno dos exércitos - afinal, não entraram em Kiev -, o jeito é atacar pelo pelo ar.
Aos três meses de guerra, o que se vê é que o supostamente poderoso exército russo não é tudo o que se estimava. O país ainda detém o maior número de ogivas nucleares. Entretanto, no front, tem exibido problemas táticos - inclusive com a morte de um general - e de abastecimento. Um exemplo claro é que, para se concentrar agora em Severodonetsk, tropas de diferentes locais foram retiradas de Mariupol e Kharkiv, para focar no novo alvo - o que abre um flanco para a retomada pelos ucranianos de territórios já tidos como ocupados pelos russos. É o que se pode chamar de "tropas Frankenstein" - formadas por diferentes batalhões, o que gera, no campo de batalha e no espírito do soldado, confusão, pouca coesão e diferentes ordens de comando. Sem falar do aspecto do moral do combatente.
Sem avanços no campo diplomático para um possível cessar-fogo, o cenário de três meses de combates no terreno falam muito sobre o futuro do conflito: uma guerra de baixa intensidade que deve se perpetuar por muito tempo. Não se sabe se a Rússia conseguirá conquistar o Donbass. Afinal, a resistência ucraniana pode ser considerada hoje uma variante fundamental. É possível imaginar um conflito longo, de idas e vindas no front. Também é bem provável que, a partir da tomada de Mariupol, regiões do Donbass, ainda que minúsculas, caiam com o tempo nas mãos dos russos. O futuro do conflito vai depender da batalha no leste da Ucrânia.