Em 55 dias de guerra, Vladimir Putin não colocou seus militares no interior das metrópoles ucranianas, evitando, assim, o inferno dos exércitos, a guerra urbana, casa a casa, na qual a vantagem, normalmente, recai sobre as tropas de quem protege as cidades. Rua a rua, o conflito urbano derrubou, ao longo da história, a invencibilidade de exércitos invasores - de Stalingrado a Cabul, passando por Fallujah e Bagdá. Uma coisa é conquistar, a outra é ocupar.
Nas últimas semanas, o mundo observou o recuo das tropas russas do norte da Ucrânia. Enquanto as forças de Putin deixavam os arredores de Kiev, com terra arrasada, vieram a público o massacre de Bucha como a parte mais visível até agora da mão pesada de Putin.
Mas a saída de Kiev, que foi atacada duramente por bombardeios aéreos, mas não foi invadida por terra em parte pelo temor da guerra urbana e em parte graças à resistência ucraniana, não significou o fim do conflito. Ao contrário, houve uma mudança de tática no terreno, dando tempo para Putin e seus generais reorganizarem a narrativa do conflito para público interno.
O ocupação total da Ucrânia parece não ser mais a meta do Kremlin. Tudo indica que houve o retorno ao objetivo inicial: a anexação do Donbass, ou ao menos a garantia da independência das autoproclamadas "repúblicas" de Donetsk e Luhansk, e a consolidação da Crimeia como território russo.
Isso explica por que a Rússia quadruplicou os ataques à Ucrânia nas últimas 24 horas, com foco no leste do país. A guerra no Donbass não é nova. A região está em conflito desde 2014, na sequência da ocupação da Crimeia. Por isso, também é lá que está o grosso das tropas das tropas ucranianas, a elite da elite, que Putin quer destruir.
Ocupar e anexar o Donbass são estratégias que colam totalmente no discurso do governo da Rússia, que, nos dias anteriores ao início da invasão, reconheceu a independência de Donetsk e Luhansk e foi às vias de fato no país vizinho seguindo uma narrativa de "proteger os russos étnicos da região". Ainda que se saiba que, no fundo, a ideia era evitar a ampliação da Otan para a Ucrânia (algo que Putin já conseguiu), a defesa da população de origem russa do Donbass dos "nazistas de Kiev" era o argumento central do Kremlin.
O drama que se abre agora é que não haverá opção para Putin a não ser ganhar ali. Já não venceu em Kiev, perder na batalha do Donbass seria a vergonha para a segunda maior potência militar do planeta. É aí que o risco de um ataque nuclear se faz presente. Humilhado, Putin pode não ter outra alternativa a não ser apertar o botão.