Comovido pelo apelo do presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, que buscava voluntários para defender o país contra a invasão da Rússia, o gaúcho André Hack Bahi, 43 anos, decidiu imediatamente ajudar. Desde o dia 28 de fevereiro, ele está na Ucrânia, atuando nas forças especiais em Kiev sob bombas.
Nascido em Porto Alegre e criado em Eldorado do Sul, André é formado em Enfermagem em uma universidade no Ceará, onde morou. Serviu ao Exército Brasileiro. Mas foi na capital cearense, Fortaleza, que obteve experiência em zonas conflagradas, tendo atuado na escolta armada de carros forte, inclusive em áreas de atuação do tráfico de drogas em favelas. Na cidade, deixou uma filha de dois anos, Álexyà, para lutar na Ucrânia. Ele tem outros dois filhos que moram no Rio Grande do Sul, Leonardo,14 anos, e Manuelle, oito.
De uns anos para cá, André mora em Lisboa, Portugal, onde, até a guerra, trabalhava com aplicativo de entrega de alimentos. Ele também já atuou na Legião Estrangeira da França.
— Vou até o fim para ajudar o povo ucraniano nem que isso custe minha vida — afirma.
Em conversa com a coluna, nesta sexta-feira (18), ele contou detalhes da sua motivação em se juntar às fileiras ucranianas contra a invasão russa e falou sobre o seu dia a dia no front. Ele também tem postado imagens da guerra em seu perfil no Instagram, @_andrehack.
Como você se tornou voluntário para defender a Ucrânia?
Estava morando em Portugal quando vi na internet uma reportagem na qual o presidente Volodimir Zelensky estava pedindo ajuda e que iria abrir uma legião estrangeira. No outro dia, fui para embaixada da Ucrânia em Portugal. Lá, eles falaram comigo sobre os procedimentos e fui comprar uma passagem para a Polônia. Chegando na Polônia, me mandaram para um hotel até o outro dia, quando me buscaram e me levaram até a fronteira. Na Polônia, fui muito bem tratado pelo povo, que me agradecia por ajudar o povo ucraniano. A viagem até a fronteira da Polônia com a Ucrânia, de carro, levou umas cinco horas. Quando cheguei na fronteira, a situação já era de guerra. Já havia toque de recolher por conta de bombardeios. Os militares do outro lado que me esperavam tiveram de ir embora e o pessoal me deixou em um ônibus. Eu era voluntário para ajudar a Ucrânia, e, como no ônibus todos eram ucraniano, me trataram com muita alegria. Eu me sentia um “herói”, mas, por dentro, sabia que poderia morrer. Mesmo assim, eu estava determinado e não ia desistir. Então, logo o ônibus travessou a fronteira. Do outro lado, já tinham meu nome lá. Então, ficamos em um posto de gasolina até o outro dia, quando me buscarem.
O combate é tenso, muito tiro. Os russos têm blindados e armamentos, mas nós somos bem preparados.
E como foi na base de recrutamento?
Chegando lá na base de recrutamento, eles começam a separar pessoas que têm experiência e as que não têm. Eu e os outros brasileiros nos destacamos porque tínhamos já experiência militar. Ficamos uns dias lá e já nos mandaram para as forças especiais. Na linha de frente do combate.
Como foram os combates até agora?
O combate é tenso, muito tiro. Os russos têm blindados e armamentos, mas nós somos bem preparados. Enquanto nossas baixas são de seis, as deles são de 30 ou mais. Mas eles estão toda hora bombardeando. Passamos 22 horas em combate, com bombas caindo a cerca de 500 metros ou menos de onde estávamos. Eu e meus colegas levamos rajadas de metralhadoras. Um colega meu disparou contra o blindado de um lado e eu de outro. Assim, eliminamos alguns.
Vocês têm armamento suficiente para enfrentar os russos?
Temos armamentos e equipamentos.
Como é a questão da desinformação, das notícias falsas no meio do conflito?
Nos culpam por postar fotos, mas nunca damos localização, nunca marcamos locais. Os jornais querem mídia, aí se baseiam no que o povo fala. Já inventaram que fomos capturados e mortos. Em fake news, estão toda hora nos chamando de assassinos. Mas não viemos para matar, e, sim, para tentar trazer a paz. Não somos nós que estamos bombardeando e mantando civis, crianças etc.
Você tem família, filhos?
Deixei uma filha de dois anos em Fortaleza para estar aqui. No dia dos tiros que passaram perto e quando fiquei perto do blindado russo só veio a imagem dela na minha cabeça. Foi quando fiz uma chamada de vídeo. Tenho outros dois filhos em Eldorado do Sul. Carrego meus filhos comigo, no colete (mostra foto de chaveiros com as imagens das crianças). Mas não me arrependo em nenhum momento e vou até o fim para ajudar o povo ucraniano, nem que isso custe minha vida.
Conte mais sobre o confronto.
Ficamos no meio de um bombardeio por mais de uma hora. O combate é como filme, na verdade é igual. Só que sentimos na pele que a qualquer momento podemos morrer. Eu estava dentro de um buraco de morteiro. Dois colegas meus estavam do outro lado. Um não estava protegido. Nossa tropa neutralizou três blindados. O primeiro veio em nossa direção. O que nos deu vantagem foi que eles não nos viram. Isso nos deu o elemento surpresa. Meu colega que estava do outro lado neutralizou um dos soldados. Logo, neutralizamos os outros que estavam em cima do blindado, dando proteção para o colega que estava descoberto. Logo depois, fomos para dentro da mata, nos dando vantagens contra os outros dois blindados. Os blindados começaram a abrir fogo para todo lado. Eu estava em uma árvore quando recebi uma rajada (de disparos). E outra logo veio do meu lado direito. Olhei para os lados pra ver se meus colegas estavam vivos. E todos estavam no momento ali. Acho que nós éramos em cinco de um pelotão de 50. Os russos tinham drones, o que facilitava, para eles, a nossa localização.
Não me arrependo em nenhum momento e vou até o fim para ajudar o povo ucraniano, nem que isso custe minha vida.
Há outros brasileiros contigo?
Tem dois comigo no mesmo pelotão. Somos os únicos três brasileiros nas forças especiais.
Você consegue dormir?
Os barulhos de bombas e direto os alarmes tocam direto. Durmo, mas às vezes sonho.
Como você se comunica com os ucranianos?
A maioria fala inglês.