Com 700 mil habitantes, Lviv, a maior cidade do oeste da Ucrânia, onde estive algumas semanas atrás, havia sido poupada até agora da ira de Vladimir Putin. Não caíam mísseis sobre seus belos prédios, como tem ocorrido em lugares como Kyev, Kharkiv e Mariupol, transformadas em inferno na terra.
Nem por isso, a rotina de Lviv era de tranquilidade. Nos dias em que estive lá, as sirenes antiaéreas tocavam pelo menos duas vezes por dia (em geral à noite), indicando que bombardeios eram iminentes. A cidade desde o início se prepara para uma possível invasão, com prédios públicos e estátuas sendo cobertos com lona, trincheiras sendo montadas em frente a edifícios estratégicos e barricadas nas entradas de Lviv.
O clima entre os moradores era de desconfiança e uma calma tensa podia ser observada nos semblantes, conforme relatei aqui.
Lviv perdeu a inocência por volta das 6h30min da manhã desta sexta-feira (18), quando pelo menos quatro mísseis de cruzeiro, lançados a partir do Mar Negro, atingiram um hangar próximo ao aeroporto. Não houve vítimas. Mas o ataque é simbólico.
Putin ultrapassa uma linha vermelha. Não é o ataque mais próximo da fronteira polonesa (o do domingo, 13, atingiu uma base a apenas 25 quilômetros). Atingir a Polônia seria atingir a Otan, como se sabe, isso tragaria a aliança militar para o confronto direto com a Rússia.
Mas a ofensiva a Lviv também é grave. Coloca uma cidade crivada de refugiados ucranianos e estrangeiros na mira. Para Lviv migraram milhares de pessoas, deslocadas internas, que fugiram de Kyev, Mariupol e outras cidades sob bombas. Também embaixadas, como dos Estados Unidos e do Brasil, se mudaram para lá. A cidade é ainda uma espécie de hub, que concentra a ajuda humanitária enviada pelo Ocidente - e armas, dirão os russos, o que é verdade. Por ali, também ingressam voluntários de várias partes do mundo (inclusive do Brasil, como mostrou o colega Humberto Trezzi), que foram lutar pela Ucrânia.
Ao atingir Lviv, Putin manda um recado ao Ocidente. Assustá-lo, sim. Mas, no mínimo, quer avisá-lo de que pare com a ajuda à Ucrânia.