As silhuetas dos corpos em movimento em meio à escuridão só são identificadas graças ao giroflex dos carros da polícia. O azul das luzes ilumina rapidamente os vultos. Quando os veículos passam — e eles passam muito rápido por nós — , o breu toma conta. Fica, então, ainda mais difícil caminhar entre pedregulhos, buracos de obras inacabadas e barreiras de contenção no caminho de quem ingressa a pé na Polônia. O caminho do desespero de quem foge da guerra não termina quando se cruza o posto fronteiriço de Medyka, vila no condado polonês de Przemyśl. É preciso caminhar um pouco mais no escuro, sob frio de -2ºC, em busca de um abrigo nos povoados vizinhos. Quem tem sorte, consegue embarcar em um dos ônibus disponibilizados pelo governo.
Enquanto percorro também a pé o sentido inverso, em direção ao posto fronteiriço, é possível identificar as sombras de mulheres com bebês no colo, homens com crianças na faixa dos quatro anos nos ombros, seres humanos empurrando carrinho de supermercados com o que conseguiram trazer na fuga, enquanto outros puxam apenas uma mala pequena, dessas permitidas que se leve na cabine dos aviões. Quando tudo volta a ficar escuro, no intervalo entre a passagem das viaturas, quase esbarro em pessoas sentadas ao chão, entre bagagens, cobertores e travesseiros.
Quem chega do inferno ucraniano segue quase um ritual. Com um passo, vence a cancela que indica que a fronteira foi superada. Então, larga por um instante a mala, verifica se o celular tem sinal e busca identificar na multidão em frente ao portão algum olhar conhecido. Em geral, não encontra. Vê diante de si repórteres em busca de um relato, policiais tentando impor alguma ordem, moradores das redondezas, curiosos e até gente tentando arrancar algum dinheiro de quem deixou praticamente tudo para trás. E há os voluntários, esses, sim, são responsáveis por gestos grandiosos: distribuem água, sanduíches e papel higiênico às famílias ucranianas. Alguns doam até abraços. Quando observam alguém sozinho, caminham em sua direção e o acolhem. Em geral, depois, prestam orientação e verificam se têm onde ficar. Outros voluntários preferem o anonimato, dedicam-se, por exemplo, a escrever com pincel atômico azul um "bem-vindo à Polônia" em um pedaço de papel anexado a uma peça de roupa ou brinquedo no chão. Era o caso de um rapaz que preparava o mimo a quem pegasse uma caixa de máscaras de proteção, enquanto, ao lado, uma menina, incentivada pela mãe, escolhia uma pelúcia rosa como companheira de viagem daqui para frente.
Tudo isso — água, comida, itens de higiene, brinquedos, roupas e cobertores — está posicionado em um grande terreno ao lado da cancela que demarca a fronteira. Mas não há muita organização. As roupas e os brinquedos, por exemplo, estão jogados no chão. Cada um chega, examina uma peça, escolhe e leva. Uma única luz de emergência ilumina o local.
Do outro lado, há outros tipos de produtos. Krzysztof Bumbul, 35 anos, trouxe ajuda de Varsóvia. Ele e dois amigos deixaram a capital polonesa na manhã deste sábado (26) em três veículos carregados com garrafas de água mineral e caixas de sanduíches.
Quem chega do inferno ucraniano segue quase um ritual. Com um passo, vence a cancela que indica que a fronteira foi superada. Então, larga por um instante a mala, verifica se o celular tem sinal e busca identificar na multidão em frente ao portão algum olhar conhecido. Em geral, não encontra.
— Reservamos espaço nos carros porque pensamos inclusive em dar carona para alguém que precise — explicou.
Há muitas mulheres e crianças nas levas de refugiados que deixam a Ucrânia. Homens com entre 18 e 60 anos foram convocados a ficar no país e resistir. Quem escolhe fugir por Medyka, em geral, vive em Lviv, cidade no oeste da Ucrânia, que, embora não tenha sido completamente poupada pelas tropas russas, não vive, ainda, o inferno de Kiev. Acomodações temporárias estão sendo oferecidas às pessoas que chegam. A maioria não fica em Medyka, mas segue para outros lugares da Polônia depois de receber uma refeição quente em uma escola a um quilômetro do posto fronteiriço. Não é permitido acesso de jornalistas ao local. Um policial à frente do portão da entidade informou que havia cerca de cem pessoas no local.
GZH chegou à fronteira da Ucrânia no sábado às 18h06min (14h06min pelo horário de Brasília) após uma viagem de cinco horas a partir de Varsóvia.
Jogador gaúcho tenta chegar à Polônia
Enquanto a reportagem de GZH estava no posto fronteiriço, o jogador gaúcho Cristian Daniel Dal Bello Fagundes, 22 anos, que vive na Ucrânia, tentava alcançar a Polônia. Ele e outros cinco brasileiros saíram de Zaporizhzhya (no extremo oposto da Ucrânia), onde moravam, rumo a Lviv, de trem. Por volta das 6h deste sábado (26), conseguiram desembarcar na cidade. Natural de Passo Fundo, Cristian divulgou um vídeo em redes sociais no qual afirmou:
— A gente pegou um trem de emergência de Lviv, da nossa cidade, onde teve evacuação imediata. Conseguimos sair de lá, graças a Deus. Chegamos a Lviv e conseguimos pegar um motorista que andou cinco quilômetros em direção à divisa e não quis mais andar por causa de muitos carros. Tivemos de vir a pé. Estamos há umas sete horas caminhando, já andamos mais de 40 quilômetros. faltam mais ou menos umas três horas para chegarmos à divisa. está escuro e muito frio.
Em contato com a reportagem, às 23h30min locais, ele confirmou que ainda estava em território ucraniano.
— A gente conseguiu achar um posto aqui, tem umas coisas para comprar. Estamos dentro da Ucrânia ainda e temos uma hora e meia de caminhada.
Cristian está acompanhado de Guilherme Smith, natural de Juiz de Fora (MG), e Leovigildo Junior Reis Rodrigues, conhecido como Juninho, de Cataguases (MG), que segue para a fronteira com a esposa, Vitória, e filho, Benjamin.