Uma plataforma que permite acesso virtual ao interior da boate Kiss, reconstruída por meio eletrônico em 3D, poderá ser utilizada durante o júri, previsto para começar em 1º de dezembro.
O dispositivo foi desenvolvido a partir de uma pesquisa coordenada pela antropóloga argentina Virginia Vechioli, professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) em parceria com o Ministério Público (MP).
A ideia de recriar a casa noturna de forma digital, para que testemunhas do julgamento pudessem localizar onde estavam no momento do incêndio, era algo desejado pela pesquisadora. O projeto começou a ganhar forma a partir da publicação de reportagem em GZH, em julho, que mostrou como esse tipo de tecnologia serviu para dar forma a um dos principais campos de tortura da ditadura na Argentina, El Campito, centro de detenção por onde passaram de 2 mil a 3,5 mil pessoas e das quais apenas entre 30 e 40 sobreviveram. Após a publicação do texto, Virginia e o MP começaram a avaliar a possibilidade de viabilizar a ferramenta.
Na Argentina, o dispositivo sobre El Campito foi utilizado em processos criminais sobre violações de direitos humanos. Esse tipo de instrumento também é comum em audiências no Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia (Holanda), que julga acusados de crimes de guerra, como genocídio.
O trabalho de reconstrução virtual da Kiss durou quatro meses. Os estudiosos tiveram acesso a uma maquete digital em 3D produzida pelo Instituto de Criminalística do Distrito Federal (DF), que havia "escaneado" a boate, em 2013, com tecnologia a laser. A perícia técnica reproduzia exatamente o interior da casa noturna, mas o espaço estava "vazio". Com o resultado desse trabalho em mãos e com base no processo da Kiss, onde constam depoimentos das vítimas, coube aos pesquisadores completar a maquete virtual, preenchendo o dispositivo com detalhes como móveis, como cadeiras e mesas, luminárias e até representar as texturas das paredes.
Por meio do dispositivo, é possível "caminhar" por dentro da boate como na noite da tragédia. Os detalhes são tantos que aparecem inclusive desníveis no chão e janelas com tapumes, que dificultaram a fuga. São reproduzidas ainda imagens de geladeiras do bar e toda a decoração do ambiente, como propagandas de cerveja.
Os quatro réus pelo incêndio irão a julgamento pelo tribunal do júri, em Porto Alegre, em sessão que deve se estender por cerca de duas semanas. Eles são acusados pelo MP de terem agido com dolo eventual (quando se assume o risco de matar) pela morte de 242 pessoas na madrugada de 27 de janeiro de 2013.