Em política americana, há dois termômetros que indicam a performance do primeiro ano de mandato de um presidente: os cem dias, quando normalmente o clima é de lua-de-mel, e a eleição para governador do Estado da Virgínia, que ocorre um ano depois do pleito presidencial.
Na primeira prova, Joe Biden passou com louvor. Em 29 de abril, quando chegou aos cem dias, o democrata comemorava a marca de 200 milhões de americanos vacinados contra a covid-19, o que achatara, até então, a curva de casos e mortes. Também conseguira aprovar no Congresso um pacote de US$ 1,9 trilhão de ajuda a famílias atingidas pela pandemia e recolocara o país na liderança das questões globais, com destaque para a Cúpula do Clima, que antecedeu à COP-26. Além disso, reconhecera o genocídio armênio, algo que nenhum outro presidente dos EUA tivera coragem de fazer para não desagradar a Turquia, integrante da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Mas entre a marca dos cem primeiros dias e a eleição na Virgínia, realizada na terça-feira (2), o cenário mudou. E a virtual vitória do republicano Glenn Youngkin (com 95% das urnas apuradas, ele lidera a disputa com 50,7% contra 48,6% do opositor) para governar o Estado sulista no qual Biden venceu Donald Trump em novembro do ano passado por diferença de mais de 10 pontos percentuais é forte indício de problemas.
A desastrosa retirada americana do Afeganistão - algo que dois terços dos americanos desejavam, mas não da forma como ocorreu, com retorno do Talibã ao poder - foi o ponto de inflexão. Mas junto a isso vieram a desaceleração da campanha de vacinação (e com ela uma nova onda de coronavírus) e a demora em aprovar dois pacotes de investimentos no Congresso, que derrubaram a popularidade do comandante-em-chefe da nação: 44% dos americanos dizem hoje aprovar o governo Biden, enquanto 50% dos entrevistados de uma pesquisa Ipsos/Reuters desaprovam o democrata (o restante se disse indeciso).
O resultado da eleição na Virgínia é importante porque é a primeira grande disputa nas urnas depois da eleição presidencial. É um teste de popularidade, indicando para que lado pende a política americana. Em 2008, por exemplo, Barack Obama venceu a disputa para a Casa Branca, mas os democratas perderam o governo daquele Estado no pleito de 2009. Em 2016, Trump conquistou a presidência, mas os republicanos também foram derrotados na Virgínia. No Estado que tentou se separar dos EUA para manter a escravidão, o que deu origem à Guerra Civil entre Norte e Sul em 1861, a distribuição dos votos obedece a uma lógica comum no país polarizado dos dias atuais: as grandes cidades votam nos democratas, enquanto o interior prefere os republicanos. Como o Estado tem um histórico de divisão racial, a derrota dos democratas é um importante alerta para a legenda de Biden, que faz da luta contra o racismo uma importante bandeira.
Os estrategistas levam tão a sério a situação no Estado que os partidos costumam despachar para lá suas tropas de choque. No caso dos democratas, estiveram na Virgínia o próprio Biden, a vice, Kamala Harris, e Obama para apoiar o candidato à reeleição Terry McAuliffe. O representante republicano, Youngkin, recebeu apoio de Trump, mas buscou se afastar do ex-presidente, embora seus eleitores costumassem aparecer em comícios vestindo camisetas com o rosto do ex-presidente e usando bonés com o slogan "Make America Great Again" - mais um indicativo de que o trumpismo não morreu um ano atrás. A derrota republicana é não apenas um sinal de problemas para Biden, mas um renascimento dos republicanos no cenário político após a derrota de 2021 em nível nacional.