As eleições presidenciais deste domingo (21) no Chile são a caixa de ressonância de todos os processos políticos intensos pelos quais o país passou em paralelo à pandemia de coronavírus nos últimos dois anos.
No final de 2019, quando o coronavírus surgia em Wuhan, do outro lado do mundo, na China, os chilenos viviam sua revolução particular - contra tudo e contra todos.
Vitrine de estabilidade na América Latina, a nação escancarou suas fraturas: o modelo neoliberal, apresentado como sucesso, escondia contradições, como um bolo de riqueza mal fatiado, com reduzida oferta de serviços públicos, como saúde e educação, e com sistema de aposentadorias excludente.
A revolta que teve Santiago como epicentro, por vezes com episódios de violência - respondida com truculência pelo governo de Sebastián Piñera - pariu um plebiscito no qual a maioria dos eleitores decidiu por uma nova Constituição e que não seria escrita pelos velhos políticos. A Assembleia Constituinte foi eleita, e o documento está em gestação. Mas a própria eleição dos constituintes responsáveis por sepultar a a Carta Magna da era do ditador Augusto Pinochet já sinalizara o desgaste da classe política tradicional.
Como em todos os países onde os partidos políticos foram relegados a segundo plano, a democracia morreu um pouco. E um processo de radicalização tomou lugar - à esquerda e à direita. As denúncias contra Piñera, que o levaram a dois processos de impeachment do qual ele se salvou (o último na semana passada, fruto dos Pandora Papers) - encarregaram-se da pá de cal na sobriedade da política chilena.
Tudo indica que a nação que irá emergir da eleição presidencial deste domingo (21) será um território polarizado, com dois candidatos que representam lados distintos do espectro ideológico - Gabriel Boric, jovem líder da Frente Ampla, um candidato que tem se colocado como um representante da esquerda moderada, embora integre uma coalizão da qual participa o Partido Comunista; e José Antonio Kast, veterano da direita mais dura, que faz elogios a Pinochet, defende maior influência da Igreja Católica na política e é herdeiro das políticas liberais dos Chicago Boys.
O futuro da revolta chilena de 2019 está em jogo neste domingo (20). Apenas do resultado das urnas - que só será consagrado no segundo turno, em 19 de dezembro -, saberemos se o país terá dobrado a esquina das transformações sociais exigidas por boa parte da população em 2019. Embora nenhum dos dois candidatos favoritos represente o establishment, Boric está mais afinado com as mudanças exigidas por quem saiu às ruas em dezembro de 2019 exigindo mais igualdade social. Kast já deu mostras de que irá fazer campanha contrária à Constituição que emergirá do processo constituinte e que terá de ser aprovada pela população em plebiscito. Ele abriu o voto pelo "rejeito".
Para a América do Sul, o resultado das eleições chilenas será, mais do que um teste de forças no continente, uma prévia do Brasil de 2022, que se anuncia como uma polarização entre a extrema-direita e a esquerda. O resultado a favor de Kast pode favorecer o Cone Sul de direita - com o Brasil no comando de Jair Bolsonaro, o Uruguai, com a centro-direita de Luis Alberto Lacalle Pou, e o Paraguai de Mario Abdo Benítez. A Argentina, da esquerda de Alberto Fernández, seria a exceção. Já a vitória de Boric equilibraria a balança.
Para os chilenos, quem chegar ao La Moneda irá indicar se as transformações exigidas pelo clamor das ruas irão avançar ou se haverá recuo.