O processo de impeachment contra o presidente do Chile, cuja abertura foi aprovada nesta terça-feira (9) pela Câmara dos Deputados, provavelmente não terá sucesso em retirar Sebastián Piñera do poder. Isso porque, para que passe no Senado, são necessários 29 votos a favor (dois terços da Casa) - cinco a mais do que possui a oposição. Ou seja, os adversários de Piñera precisam, além de garantir que todos os seus senadores votem contra o presidente (o que deve ocorrer), ainda angariar outros cinco votos entre os aliados.
O processo de impeachment (chamado no Chile de Acusação Constitucional) foi aprovado na Câmara por 78 votos contra 67 - e três abstenções. A sessão, que começou às 10h de segunda-feira, durou quase 24 horas - e contou com um pronunciamento do deputado Jaime Naranjo (Partido Socialista) que durou 15 horas e dois minutos. Ele foi uma espécie de porta-voz da oposição, lendo as 99 páginas da acusação.
Documentos revelados pelo conjunto de reportagens chamado Pandora Papers indicam que Piñera pode ter cometido irregularidades ao vender uma empresa de mineração. A acusação envolve a mina de Dominga, da família do presidente, que a vendeu ao empresário Carlos Alberto Délano, e uma transação nas Ilhas Virgens Britânicas, conhecido paraíso fiscal.
O negócio ocorreu em 2010, quando Piñera estava em sue primeiro mandato como presidente.
O Chile tem vivido momentos de altos e baixos. Em dezembro de 2019, o país viveu uma revolução política, com uma série de manifestações exigindo maior inclusão social na nação conhecida como vitrine do modelo neoliberal na América Latina. Na ocasião, o governo, colocado contra a parede, reagiu com truculência, colocando tropas nas ruas em cenas que lembraram a ditadura. Piñera chegou a ser acusado de violação de direitos humanos.
Como principal resultado da revolta, os chilenos votaram em plebiscito, aprovando a decisão de se ter uma nova Constituição. Uma Assembleia Constituinte foi eleita, em outro pleito. No meio de tudo isso, há a pandemia de coronavírus. Mas nem o sucesso da campanha de vacinação no país salvou Piñera do impeachment. Se sobreviver ao processo, ele deixará o poder no final do ano. Mais de 60% dos chilenos aprovam a saída do presidente.
Em duas semanas, os eleitores voltarão às urnas para eleger o novo presidente. Piñera não participa porque já exerceu dois mandatos. A disputa deve ficar entre o ex-deputado José Antonio Kast e o representante da esquerda, Gabriel Boric (Frente Ampla).
Kast, que é admirador do presidente Jair Bolsonaro, de Donald Trump e do Partido Vox, na Espanha, aparece como líder nas pesquisas no primeiro turno. Fundador do Partido Republicano, adota elementos da cartilha da extrema-direita, no combate às drogas, criminalidade, controle de imigração e apresentando-se como anti-establishment. O processo de impeachment deve enfraquecer ainda mais o candidato de Piñera, o conservador Sebastián Sichel, cujos votos devem migrar para Kast.
O segundo turno ocorre em 19 de dezembro. De acordo com as últimas pesquisas, Kast teria 42,6% contra 36,7% de Boric.