Em junho de 2002, as seleções de Brasil e Inglaterra jogavam por uma vaga na semifinal da Copa do Japão e Coreia do Sul. Antes da partida, o jornal argentino Olé cravou uma manchete fantástica, lembra o colega Diego Araújo, que foi editor de Esportes de Zero Hora e hoje é editor-chefe do Diário Gaúcho: "Que percan los dos".
Junto com o histórico ranço hermano em razão da Guerra das Malvinas (1982) havia o fato de que, naquele Mundial, a Inglaterra vencido a Argentina na primeira fase, resultado que acabou selando a desclassificação dos vizinhos. Torcer para o Brasil? Nem pensar. Então, melhor que perdessem os dois, vaticinou, com sarcasmo, o famoso diário esportivo argentino.
Conversávamos, Diego e eu, sobre a crise entre Belarus e Polônia, deflagrada esta semana e que se aprofundou nesta quinta-feira (11).
- Quem ganhar tá bom, mas o ideal era que ambos perdessem? - questionou o Diego, lembrando da manchete futebolística.
- É isso - respondi.
Tratam-se de dois regimes que exibem o pior da política mundial nesse turbulento início de terceira década do século 21. O presidente Aleksandr Lukashenko é conhecido como o último ditador remanescente na Europa - está no poder há 26 anos e ganhou, por baixo dos panos, mais um pleito, em agosto de 2021.
Com estilo autoritário que lembra a era soviética, Lukashenko controla os principais canais da mídia do país, persegue opositores políticos, marginaliza vozes independentes e caça a imprensa livre. Belarus é o único território da Europa e da antiga URSS que ainda aplica a pena de morte em processos judiciais sem qualquer transparência.
Para voltarmos a um exemplo esportivo, seu filho, Viktor, é chefe do comitê olímpico do país. Em novembro, a esquiadora Aliaksandra Ramanouskaya, representante na Olimpíada de Inverno, foi presa em Minsk, como parte de um grupo de atletas que protestaram contra a eleição do político.
Na atual crise, tudo indica que seu governo atraiu para o país uma massa de refugiados de guerra, fugidos do Iraque e da Síria, com a promessa de que poderiam entrar na União Europeia - Belarus faz fronteira com Polônia e Lituânia. Com milhares de pessoas agora no território, amontoadas próximo à cerca de arame farpado que separa Belarus desses dois países, seu governo pressiona os vizinhos em retaliação às sanções aplicadas pelo bloco econômico depois das eleições fraudadas.
Do outro lado da fronteira, o governo polonês também não é santo. O primeiro-ministro Mateusz Morawiecki pertence ao partido Lei e Justiça (PiS), conhecido por sua agenda antiimigração, xenófobo e contrário às políticas de integração da UE. No mesmo mês que Lukashenko ganhava mais uma eleição fraudada - e só se manteria na cadeira presidencial graças ao apoio do russo Vladimir Putin -, o parlamento da Polônia aprovava uma lei que regula os meios de comunicação do país, um claro ataque à liberdade de imprensa e de expressão. O governo também é alvo de processo legal por parte da UE por retrocessos nas liberdades democráticas.
No meio de tudo isso está a população civil, o braço sempre mais vulnerável em guerras ou catástrofes naturais. Já seriam pelo menos 4 mil pessoas na fronteira.
O Diego tem razão: como diria o jornal Olé, nessa disputa com cheiro de naftalina da Guerra Fria, que percam os dois, Belarus e Polônia. Mas que, antes, a comunidade internacional haja para garantir os direitos das pessoas pressionadas pela política, em uma região onde a temperatura cai abaixo de zero à noite.
Em tempo, na partida de 2002, o Brasil venceu por 2 a 1 a Inglaterra, passando à semifinal com a Turquia. A Seleção se consagraria pentacampeão naquela Copa, derrotando a Alemanha por 2 a 0.