A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) foi criada em 1949, logo após a II Guerra Mundial, no contexto da Guerra Fria, como uma aliança militar do Ocidente - leia-se Hemisfério Norte e liderada pelos Estados Unidos - para conter eventuais ameaças do bloco soviético, que seis anos depois, organizou o Pacto de Varsóvia. O grupo de países também previa uma ação conjunta em casos de intervenção militar sobre um de seus membros.
Ocorre que, desde o fim da URSS, em 1991, a Otan vive uma crise de identidade - afinal, sua razão (a ameaça soviética) deixou de existir. Assim, a aliança atlântica se aventurou em questionáveis missões fora de seu escopo original: na antiga Iugoslávia, em 1999, sob o argumento da responsabilidade de proteger a população civil, no Afeganistão e na Líbia - essas duas últimas ainda mais polêmicas uma vez que os teatros de operações ficavam distantes da Europa.
A ascensão da Rússia como protagonista do sistema internacional, depois da década perdida dos anos 1990, tem feito a Otan recobrar sua razão de ser. E responde, de certa forma, aos arautos do fim da Otan e defensores da inutilidade da aliança militar nos dias atuais.
A crise que ganhou corpo nesta terça-feira (9) entre Belarus e Polônia, com os dois países deslocando tropas para a fronteira, tem ares de Guerra Fria - e revela por que a Otan ainda é relevante.
Belarus, governada pelo ditador Aleksandr Lukashenko, é aliada da Rússia nas barbas da Europa - aliás, ele só se garantiu no poder após uma eleição cercada por fraudes, em agosto, porque o presidente Vladimir Putin o segurou na cadeira. Já a Polônia - cuja capital deu nome ao Pacto de Varsóvia na época de sua criação, quando integrava o bloco socialista, é membro da Otan desde 1999. O país é uma espécie de tampão estratégico entre a Europa e a Rússia. Não à toa, entre os 30 membros da aliança atlântica, a Polônia é um dos que mais gastam com defesa, 2,1% de seu Produto Interno Bruto (PIB).
O estopim da atual crise é uma onda de refugiados oriundos do Iraque e da Síria que chegou a Belarus. A Polônia acusa o governo Lukashenko de concentrá-los na fronteira como forma de pressionar a União Europeia (UE), que, desde a eleição contestada em Belarus, tem aplicado sanções econômicas ao país por conta da repressão à oposição.
A Polônia, por sua vez, também não anda muito em paz com a UE por conta de seu governo de extrema-direita. Em julho de 2021, a Comissão Europeia iniciou procedimentos legais contra a Polônia por violação do artigo 2º do Tratado da UE e pela Carta dos Direitos Fundamentais do bloco, relativa à proteção dos direitos humanos, da igualdade, da liberdade de expressão e da dignidade humana.
A crise coloca Polônia e UE do mesmo lado, embora o governo polonês seja abertamente anti-imigração. A presidente da Comissão Europeia, Úrsula Von der Leyen, exigiu que o governo bielorrusso "pare de pôr em perigo a vida das pessoas". O argumento é de que Belarus está usando a massa migratória como instrumento para pressionar a UE.
No meio das divergências entre autoridades, países e blocos, está a população civil. Vídeos em redes sociais exibem centenas de pessoas amontoadas perto de cercas de arame farpado que demarcam a fronteira entre os dois países, sob o olhar e as armas de militares dos dois lados.