No início da semana Nobel, de cara, o mais importante prêmio da Academia mundial segue a tradição de distinguir pessoas e entidades que menos figuram nas bancas de apostas. Por isso, é bom desconfiar daqueles que acreditamos fielmente que irão receber a láurea.
O que mais o mundo esperava da ciência nesses 365 dias entre a premiação do ano passado e de 2021? A vacina contra a covid-19, imagino que você pensará. Mas não, o Nobel de Fisiologia ou Medicina, anunciado nesta segunda-feira (4), não foi para a húngara Katalin Kariko ou o americano Drew Weissman, que abriram caminho para as vacinas de RNA mensageiro da Pfizer e da Moderna. Eles ainda podem receber a distinção na quarta-feira (6), quando será anunciado o Nobel de Química.
Dando continuidade à semana Nobel, na terça-feira (5), será anunciado prêmio de Física, na quarta (6), de Química, na quinta (7), o de Literatura, na sexta (8), o mais esperado, o Nobel da paz, e na segunda (11), o de Economia.
O Nobel da Paz reconhece personalidades e entidades que se destacam em defesa da segurança internacional, lançando luzes para problemas como guerras, violações de direitos humanos ou iniciativas para o fim de conflitos armados. Mas a tradição é a mesma: nem sempre o trabalho em zonas conflagradas que aparecem mais no noticiário são os que levam a láurea. Aliás, é bem comum a escolha de pessoas ou entidades pouco conhecidas.
Também são comuns polêmicas. Barack Obama, por exemplo, recebeu o Nobel da Paz em 2009, no primeiro ano de seu primeiro mandato antes mesmo de tomar qualquer decisão em prol da paz. Aliás, Obama, embora tenha fama de ser um líder pacificador, não acabou com as duas guerras em que os Estados Unidos estavam metidos (Afeganistão e Iraque) e aumentou o uso de drones para ataques "cirúrgicos" em regiões conflagradas.
Mesmo que a chance de errar seja grande, lá vamos nós para candidatos prováveis ao Nobel da Paz deste ano:
A Organização Mundial da Saúde (OMS) seria candidata natural em razão da pandemia. Mas, como em todas as crises de saúde pública internacional, a entidade é criticada por sua lenta reação ao problema. O fato de o consórcio que lidera para distribuição de vacinas contra a covid-19 para nações pobres (Covax) também não decola. Então, embora apareça nas listas, é provável que não leve, como já não levou em 2020.
Diante do aumento de perseguições à imprensa e tentativas sucessivas de perseguição a jornalistas por governos de extrema-direita e extrema-esquerda, em meio à propagação de fake news e em era de pós-verdade, organizações de defesa da liberdade de expressão ou profissionais que representem esse direito podem ser laureados.
O Afeganistão desandou, e a saída das tropas americanas do território está longe de gerar a paz no país. Então, nem pense em Joe Biden, responsável por uma desorganizada debandada de Cabul, e muito menos em Donald Trump, que insuflou seus militantes contra o Capitólio em janeiro e, ao longo de quatro anos na Casa Branca, erodiu a democracia americana por dentro.
Há crises novas no mundo, com sucessivas violações de direitos humanos. Pode-se pensar que, nesse caso, as chances recaem mais sobre organizações do que em personalidades. Mas, mais uma vez, erramos ao apostar assim. Em 2020, venceu o Programa Mundial de Alimentos, em 2017, a Campanha Internacional pela Abolição de Armas Nucleares (Ican), mas também já foram laureados nos últimos anos o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, por seus esforços para alcançar a paz com a Eritreia, e em 2018, o médico congolês Denis Mukwege e a yazidie Nadia Murad, que trabalham para acabar com o uso da violência sexual como arma de guerra.
Os manifestantes de Hong Kong seriam uma boa aposta. Mas compraria uma briga com a China, que aliás também viola direitos humanos no Tibete e em Jinjiang, além da censura à imprensa independente.
A crise recente em Belarus também pode atrair a atenção para a líder da oposição, Svetlana Tikhanovskaya, sozinha ou com suas colegas Maria Kolesnikova e Veronika Tsepakalo.
Outra aposta seria no tema mais candente do ano: as mudanças climáticas, que já foram pauta de um encontro de cúpula liderado por Biden logo após assumir e que voltará com tudo na COP-26, em novembro, em Glasgow, na Escócia. Assim, mais uma vez, poderia-se pensar em personalidades individuais (como a jovem ambientalista Greta Thunberg) ou entidades, como a Organização Meteorológica Mundial (OMM). O IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) já foi laureado com o Nobel da Paz em 2007, que dividiu com o ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore.