Em política, não há vácuo de poder.
Enquanto os países do Ocidente organizam a fuga em massa de seus funcionários, retiram suas bandeiras dos mastros das embaixadas e fecham as portas no Afeganistão, a China caminha para ocupar o vazio que será deixado por Estados Unidos e cia. Nesta segunda-feira, Pequim informou que irá manter "relações amistosas" com o Talibã.
Para os chineses, a saída abrupta dos Estados Unidos do Afeganistão, convertida em fuga nas últimas horas, é uma oportunidade de ampliar seu peso econômico e geopolítico sobre a região. Embora a declaração de apoio ao Talibã só tenha vindo agora, essa relação já vinha sendo construída há vários meses - a consolidação foi em julho, em um encontro entre o ministro das Relações Internacionais chinês, Wan Yi, com a comissão de assuntos externos do Talibã, liderada por Abdul Ghani Baradar, na cidade de Tianjim.
Os chineses são especialistas em ocupar o vácuo deixado pelos Estados Unidos em sua ascensão como potência global e desafiante à hegemonia americana - é assim na África, na América Latina e, em parte, no Oriente Médio. Será assim no Afeganistão, histórico entreposto comercial entre a Ásia e a Europa.
Os chineses também não olham para ideologia - negociam com quem estiver no poder. Um parênteses: pena o atual governo brasileiro não ter percebido ou aceitado isso. Os Talibãs perceberam. Fechado o parênteses. Pequim quer incluir o Afeganistão em seu grandioso projeto One Road One Belt, também conhecido como Nova Rota da Seda. Há dois projetos prestes a sair do papel: uma estrada que ligará Xinjiang (província chinesa), Afeganistão e Paquistão, e outra que comunicará Peshawar e Cabul.
O Afeganistão abriga também a segunda maior reserva não explorada de cobre do mundo, reservas de ferro estimadas em US$ 420 bilhões, fora metais raros, cruciais para a indústria de ponta chinesa.
Além de oportunidade, a China também tem um olho em sua própria segurança. O país compartilha 73 quilômetros de fronteira com o Afeganistão. Do lado chinês, fica a província de Xinjiang, onde 60% da população é muçulmana e principalmente da etnia uigur, que vive sob constante violação do regime de Pequim. A China teme que a vitória Talibã alimente o sonho separatista de seu lado da fronteira.
Do ponto de vista maior, a China consolida sua influência no chamado entorno estratégico, após acordo com o Paquistão e, agora, com o Afeganistão - em oposição à Índia, sob governo pró-americano do primeiro-ministro Narendra Modi.