Não é mera coincidência que à medida que o calendário se aproxima de 11 de setembro de 2021, data que marca os 20 anos dos maiores atentados terroristas da História, o Talibã, milícia radical que jogou por cinco anos o Afeganistão de volta à Idade Média, avança para retomar o poder em Cabul.
Até 31 de agosto, o governo de Joe Biden planeja retirar todas as tropas americanas da nação asiática, encerrando a mais longa guerra que os Estados Unidos já se envolveram. A cada unidade militar que decola de volta para casa, os barbudos do Talibã avançam mais um pouco.
Para uma geração que cresceu vendo os horrores protagonizado pelo grupo Estado Islâmico, que decapitava cabeças de reféns no deserto, os colocava em jaulas que afundavam em rios, explodia bombas ou esfaqueava inocentes em Paris, Nice, Berlim, Estocolmo, Bruxelas e Londres, o Talibã talvez seja apenas um nome vago, visto nos livros escolares.
Para esses leitores, vale a recapitulação: O Talibã, "Os estudantes" na língua pashto, surgiu nos anos 1990 nas madrassas (escolas corânicas) do Paquistão e logo se expandiu para o outro lado da fronteira, pregando uma interpretação radical do Islã, assim como o Estado Islâmico (ambos são adversários, embora compartilhem o sunismo dentro do islamismo). Em 1996, o grupo armado conquistou a capital afegã, Cabul, impondo um regime truculento, executando criminosos e adúlteros em praça pública, obrigando homens a usar barba, mulheres a vestir burca (vestimenta que cobre todo o corpo), proibindo música, filmes, televisão e que meninas maiores de 10 anos fossem à escola (a história da garota Malala é emblemática desse período, embora ela vivesse no Paquistão, onde o Talibã também controle algumas regiões, como o Vale do Swat).
Uma amostra de seu desprezo por bens culturais foi a destruição, em 2001, dos gigantescos Budas de Bamiyan encravados na rocha e patrimônio da humanidade.
Foi ali que o mundo acordo para o período de trevas que havia se abatido sobre o Afeganistão. Em seguida, ocorreram os atentados terroristas em Nova York e Washington. E se descobriu que Osama bin Laden, o arquiteto da operação de sequestro dos quatro aviões arremessados como mísseis contra as torres-gêmeas do World Trade Center e o Pentágono (o quarto caiu na Pensilvânia), era protegido do Talibã nas montanhas de Tora-Bora.
A operação liderada pelos americanos para caçar os extremistas da Al-Qaeda levou à derrubada do Talibã do poder em 2001. Mas como o Ocidente é mestre em mudar regimes, mas péssimo em construir Estados, o que se seguiu foram governos afegãos fracos, forças armadas débeis e um arremedo de democracia.
Nesses 20 anos de presença americana no Afeganistão, o Talibã se recolheu enfraquecido a seu reduto espiritual, Kandahar. Mas nunca deixou de existir.
Os Estados Unidos cansados de guerra, tendo gasto bilhões em um conflito longe de casa e depois de perceber que o grupo é invencível, os trouxe para a mesa de negociações. Donald Trump celebrou um acordo em Doha, no Catar, no ano passado, com a organização, garantindo que a Casa Branca retiraria suas tropas do solo afegão e, em troca, o Talibã jamais voltaria a proteger a Al-Qaeda. Faltou combinar com o próprio governo afegão, que foi alijado do processo de paz.
Biden deu prosseguimento no plano, que está se concretizando. O Talibã abandonou a Al-Qaeda (que hoje é apenas uma ideologia, sem articulação mundo afora), mas não deixou para trás sua ganância pelo poder.
Na quarta-feira (11), a milícia fundamentalista tomou a nona capital provincial desde sexta-feira (6). Hoje, já controlaria mais de 60% do país. A cada militar americano que sai, os talibãs avançam mais alguns quilômetros na estrada para Cabul.