Em meio às cenas de caos em Cabul, com o aeroporto da capital convertido em única rota de fuga diante da tomada da cidade pelo Talibã, a pergunta que o mundo se faz nas últimas 24 horas é: o que virá agora que a milícia fundamentalista islâmica, que jogou o país de volta à Idade das Trevas por cinco anos, voltou ao poder?
Parte da resposta está no próprio histórico do Talibã, que, de 1996 a 2001, governou o Afeganistão: uma interpretação literal do Islã e sua aplicação legal pela sharia, violação de direitos humanos, proibição de mulheres de frequentarem centros acadêmicos e de meninas de irem às escolas, obrigatoriedade do uso da burca para elas (o que diante do terror do regime muitas vezes era uma proteção contra abusos, além de tradição da etnia pashtun), barba para eles, execuções em praça pública e destruição de bens culturais. Em resumo, um regime fechado ao mundo - com exceção do Paquistão, aliado e fomentador do Talibã desde sua origem. Nesse novo momento, há também preocupação com pessoas que, ao longo desses 20 anos, trabalharam para as forças ocidentais - só para os Estados Unidos, seriam 18 mil afegãos. Grupos que voltam ao poder, após serem afastados por anos, costumam ser vingativos.
Outra parte da resposta é que o retorno do Talibã ao poder facilita a reorganização de grupos terroristas internacionais. Não esqueçamos que o motivo principal de sua derrocada, em 2001, sob bombas americanas, era o fato de a milícia ter abrigado Osama bin Laden e a rede Al-Qaeda. Ainda que a organização responsável pelos atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos seja hoje mais uma inspiração para extremistas mundo afora do que uma força real, alguns remanescentes do grupo ainda permanecem junto ao Talibã no Afeganistão ou nas zonas tribais paquistanesas. Ao tomar cidades na ofensiva relâmpago dos últimos dias, o Talibã também abriu as portas de prisões onde estavam detidos ex-combatentes da Al-Qaeda e do Estado Islâmico (EI). Além disso, há indícios de migração iniciada nas últimas semanas de extremistas da Síria e do Iraque para o Afeganistão. Ou seja, o país pode rapidamente voltar a ser um imã para terroristas.
Há, porém, uma incógnita no ar, que só os próximos dias irão responder: a legitimidade que o Talibã terá em nível internacional (a China já prometeu relações amistosas). E, para ter algum nível de reconhecimento do mundo - até para garantir trocas comercias e a sustentabilidade do regime -, a milícia terá de moderar sua atuação.
Os primeiros sinais indicam alguma diferença em relação a 1996, quando seus homens haviam entrado em Cabul da última vez antes desde domingo (15). Desta vez, estão permitindo a fuga para quem quiser sair da cidade. Um porta-voz do grupo também afirmou que nada mudaria em relação aos direitos das mulheres e que, em vez da burca (vestimenta que cobre o corpo dos pés a cabeça), seria exigido "apenas" o hijab (véu islâmico que cobre o cabelo e deixa o rosto livre). Também garantiu que haverá liberdade de imprensa e expressão - ainda que, no mundo islâmico, essas palavras não tenham o mesmo significado que para o Ocidente. Diante dos apelos internacionais para que o grupo exerça moderação, o Talibã tem respondido que está sendo cuidadoso em todos os passos.
Por enquanto, são apenas palavras ao vento, que, como os últimos dias mostraram, mudam de direção rapidamente no Afeganistão.